Lente intra-ocular multifocal

A lente intraocular multifocal foi desenvolvida para oferecer foco na visão em duas ou mais distâncias, permitindo visão adequada para longe e perto, sem necessidade de óculos. Enquanto a LIO monofocal busca corrigir a visão para determinada distância (longe ou perto), a LIO multifocal apresenta 2 ou mais pontos de focalização e gera imagens simultâneas correspondentes à visão para longe e para perto.

As primeiras lentes intraoculares multifocais mostradas na figuras acima foram idealizadas e implantadas já em 1989. Desde então foram desenvolvidos diferentes modelos, que são produzidos por mais de um fabricante.

Neste texto, apresentaremos um resumo  das principais indicações e contra-indicações, benefícios e efeitos indesejáveis da lente intra-ocular multifocal. Este tipo de lente geralmente  pode trazer grande satisfação ao paciente, mas pode também causar frustração e problemas. A busca de uma segunda opinião pode ajudar o paciente a esclarecer dúvidas e facilitar a escolha da lente intraocular, em cirurgia de catarata ou em cirurgia com finalidade refrativa. O paciente deve procurar compreender as características deste tipo de lente, benefícios, riscos e complicações. Deve ser evitado a tomada de decisão baseada em avaliação rápida, ou sob influência de palavras como lentes de alta tecnologia ou lentes premium, que podem alterar o julgamento adequado das características de cada tipo de lente.

Expectativas do paciente e aconselhamento pré-operatório

A lente intra-ocular multifocal tem o potencial de oferecer visão de boa qualidade tanto para longe quanto para perto, após a cirurgia da catarata ou após a cirurgia refrativa do cristalino. Pacientes criam uma expectativa muito elevada em relação ao resultado da cirurgia e pode ocorrer frustração, caso a qualidade da visão para longe ou para perto não atenda às necessidades do paciente ou persista a necessidade do uso de óculos. As características particulares da LIO multifocal  podem provocar perturbações visuais como redução da visão de contraste,  brilho excessivo, reflexos ou halos em diante de luzes. Ao optar por uma LIO multifocal o paciente deve ter consciência de que o risco destes sintomas é maior do que ao escolher uma lente intraocular monofocal. Quando a insatisfação do paciente decorre de problemas inerentes ao design da LIO multifocal como halos, brilho ou ofuscamento, o problema é mais difícil de ser abordado ou tratado.

É necessário um exame oftalmológico cuidadoso para identificar contraindicações relativas ou absolutas à implantação de LIO multifocal e também características psicológicas  e estilo de vida do paciente.

Características positivas para implantação de LIO multifocal:

1. paciente interessado em independência ao uso de óculos para a maioria das tarefas para longe e perto

2. paciente com personalidade fácil e comportamento adaptável

3. paciente disposto a aceitar pequeno comprometimento da qualidade da visão para longe

4. paciente que aceita o fato de que não existe uma garantia de resultado que o satisfaça

5. paciente portador de hipermetropia moderada ou alta e que não apresente forte dependência em trabalho com computador

Características negativas para implantação de LIO multifocal:

1. Paciente que não se importa em usar óculos

2. Pacientes hipercríticos ou com expectativas pouco realistas

3. Pacientes cuja prioridade é obter visão extremamente nítida ou qualidade de visão excepcional

4. Pacientes com forte dependência na qualidade da visão intermediária ou qualidade de visão noturna, como piloto comercial, motorista de taxi e motorista de carreta

5. pacientes míopes com excelente visão para leitura, sem necessidade de óculos para perto

Problemas oculares que representam contra-indicações relativas ou absolutas à LIO multifocal

1. Pacientes com astigmatismo irregular não são bons candidatos à LIO multifocal;

2. Irregularidade do filme lacrimal e olho seco que possam causar piora da qualidade da visão;

3. Distrofias corneanas inclusive distrofia endotelial de Fuchs, cicatrizes corneanas, pterígio;

4. Pacientes com pupilas grandes podem apresentar maior risco de halos, ofuscamento ou outros distúrbios fotópicos;

5. Fragilidade zonular que aumente as chances de descentração da LIO;

6. Retinose pigmentar;

7. Degeneração macular;

8. Doenças do nervo ‘tico que causem redução da acuidade visual, sensibilidade de contraste, ppercepção de cores ou redução do campo visual;

9. Problemas ou dificuldades, na maioria das vezes imprevisíveis, que eventualmente ocorram durante a cirurgia:  complicações durante a cirurgia de catarata que dificultem uma boa centralização ou estabilidade da LIO são motivos que podem justificar a decisão de não implantar LIO multifocal, mesmo que este tenha sido o planejamento inicial.

Incômodos visuais mais comuns após implantação de LIO multifocal

1. Uma das maiores causas de insatisfação após implantação de LIO multifocal é a presença de miopia, hipermetropia ou astigmatismo residual após a cirurgia, permanecendo a necessidade constante ou frequente do uso de óculos.

2. Outra importante causa de insatisfação após implantação é o desconforto visual causado por fenômenos fotópicos (disfotopsia), em particular halos em torno de luzes, faixas de luz, brilho excessivo e ofuscamento, inerentes ao design destas lentes. A intensidade deste incômodo diminui com o passar do tempo mas em muitos pacientes persiste o desconforto e a insatisfação e esta queixa é uma das principais causas de cirurgia para troca da LIO.

3. Alguns pacientes apresentam incômodo relacionado à redução da visão de contraste, relatada como visão pálida, visão turva, perda de claridade ou de contraste. Esta queixa pode estar presente apesar da capacidade de identificar, à distância, letras pequenas.

4. Visão de má qualidade em ambientes com menor iluminação.

5. Visão insatisfatória para longe e perto em pacientes portadores de outra patologia ocular como degeneração macular ou glaucoma.

Deve-se destacar que muitos pacientes inicialmemente insatisfeitos apresentam melhora dos sintomas com o passar do tempo. Os sintomas costumam ser mais acentuados após a cirurgia do primeiro olho e tendem a diminuir quando o segundo olho é operado. Quando persiste incômodo ou insatisfação que perturbe o paciente, é possível realizar cirurgia para troca da LIO multifocal por outra monofocal. Em alguns pacientes, nos quais persiste necessidade de uso dos óculos para longe mas não existem queixas relacionadas à baixa qualidade da visão, é possível realizar cirurgia refrativa para correção do erro refracional residual, com excimer laser ou outra técnica, sem necessidade de cirurgia para troca da LIO multifocal por LIO monofocal.

Outras estratégias para obter visão satisfatória para longe e perto após implantação de LIO monofocal

1. Implantação de LIO monofocal com correção da visão para longe em um dos olhos e para perto ou meia distância no outro olho.  Este resultado geralmente agrada aos pacientes, é simples, envolve a implantação de lente de custo mais baixo do que a LIO multifocal.

2. A presença de astigmatismo corneano após a cirurgia de catarata pode proporcionar visão satisfatória para longe e para perto em alguns pacientes.

Quando optar pela LIO multifocal?

Os aspectos mais importantes para se decidir pela implantação de uma LIO multifocal são:

1. Exame oftalmológico cuidadoso para identificar a presença de características positivas e negativas do paciente, frente à  LIO multifocal.

2. Discutir cuidadosamente com o paciente os pontos positivos e negativos, vantagens e riscos destas lentes

3. Apresentar outras alternativas para obtenção de uma independência ao uso de óculos para longe e para perto, após a cirurgia da catarata

4. Persistindo dúvidas, procurar  uma segunda opinião antes da cirurgia.

Referências

Braga-Mele, R; Chang, D. e outros Multifocal intraocular lenses: Relative indications and contraindications for implantation. J Cataract Refract Surg 2014; 40:313-322

Kazutaka, K.; Hayashi, K e outros Multifocal intraocular leneses explantation: a case series of 50 eyes. Am. J Ophthalmol 2014; 158:215-220

Vries, NE; Nuijys, RMMA Multifocal intraocular leneses in cataratc surger: Literature review of benefits and see effects. J Cataract Refract Surg 2013; 39:268-278

Cross-Linking em ceratocone: riscos e complicações

Riscos e complicações do cross-linking em ceratocone.

O ceratocone geralmente se manifesta entre na infância e adolescência. Não há predileção por sexo e a doença está associada ao hábito de esfregar ou coçar os olhos vigorosamente. Alergias oculares, atopias e o hábito de coçar os olhos são considerados fatores predisponentes. Apesar de numerosos estudos, o processo bioquímico subjacente e a etiologia precisa do ceratocone não são bem compreendidos. A doença pode apresentar progressão, provocar piora da visão e prejudicar a qualidade de vida dos portadores.

A orientação mais importante a ser dada ao paciente com ceratocone é interromper o hábito de coçar, esfregar ou apertar os olhos. A correção visual se faz com óculos ou lentes de contato e em casos raros pode ser necessário transplante de córnea. Entre outras opções de tratamento que são oferecidas por alguns oftalmologistas, mas não são adotadas pela maioria dos profissionais, estão a cirurgia de colocação de anéis intra-corneanos e o cross-linking de córnea.

O tratamento com cross-linking de colágeno (CXL) foi introduzido há pouco mais de 10 anos, em 2003. A técnica pode variar, assim como os equipamentos usados, mas geralmente remove-se o epitélio da área central da córnea, trata-se a superfície com uma solução de riboflavina 0,1%  e  irradia-se a córnea com UVA de 370 nm de comprimento de onda, durante 30 minutos.

Existem diversos riscos e complicações relacionadas ao cross-linking de córnea. Um dos riscos do CXL é o tratamento ser ineficaz ou mesmo agravar a doença. O ceratocone é uma doença que geralmente apresenta progressão lenta e imprevisível. A maioria dos pacientes com ceratocone inicial detectado através do exame de topografia de córnea não apresenta progressão da doença. Um estudo baseado na análise de 117 olhos de 99 pacientes documentou uma taxa de insucesso de 7,6% e uma piora da acuidade visual em 2,9% dos olhos operados.

Os trabalhos publicados apresentam falhas metodológicas importantes, além de potenciais conflitos de interesse financeiros, comerciais e intelectuais. É possível que a incidência de complicações seja maior do que está indicado na literatura oftalmológica.

Uma revisão sobre as complicações decorrentes do CXL publicadas na literatura (Dhawan e col., 2011) apresenta as principais complicações precoces e tardias do procedimento CXL. Em alguns casos pode ser necessário transplante de córnea e pode ocorrer dificuldades na adaptação de lentes de contato:

  • úlceras infecciosas da córnea – manifesta-se nos primeiros dias
  • Opacidades na córnea (corneal haze) – esta complicação pode ocorrer em 9% dos olhos operados e perdurar mais de 1 ano
  • Lesão do endotélio da córnea provocada pela radiação UVA
  • Inflitrados corneanos periféricos
  • Reativacão de herpes ocular
  • Erosão recorrente da córnea.

O ceratocone inicial é apresentado como a principal indicação do CXL. O ceratocone inicial apresenta evolução imprevisível;  não há na literatura trabalhos de acompanhamento a longo prazo para confirmar a segurança, indicações e contraindicações para o CXL; nenhum dos trabalhos comparou os resultados do CXL com a simples orientação de não coçar ou esfregar os olhos; já foram descritos diversas complicações relacionadas ao procedimento.

Nossa opinião é que, antes de pensar em se submeter a um procedimento cirúrgico invasivo e que apresenta riscos de complicações, todo paciente deve ser orientado a não coçar, não esfregar, não apertar os olhos. Em nossa opinião a eficácia dessa orientação é superior à eficácia do CXL. Estudos de longo prazo mostram que aproximadamente 25% dos pacientes submetidos ao cross linking apresentam evolução da doença e não existem estudos que comparam o resultado do CXL com a interrupção da agressão decorrente do hábito de coçar os olhos.

* Diferentes médicos, diante do mesmo paciente, frequentemente diferem quanto ao diagnóstico e/ou quanto ao tratamento indicado. Yehuda Waisberg, autor desse texto, é médico oftalmologista com vasta experiência no atendimento e adaptação de lentes de contato em pacientes com ceratocone. Ao aconselhar seus pacientes, adota postura conservadora, priorizando opções de tratamento pouco invasivos, de menor risco e menor custo para o paciente.

1) Evripidis, S; Rushmia, K; Jennifer R, E; Catey, B; Kwesi N, A-A; Showrob, P; Peter J, M; Samer, H Corneal Collagen Cross-linking for treating keratoconus. The Cochrane Library, Issue 4, 2015, Art. No. CD010621. DOI: 10.1002/14651858.CD010621.pub3; 2) Dhawan, S; Rao, K; Natrajan, S. Complications of corneal collagen cross-linking (Review Article)  Journal of Ophthalmology 2011, Artcle ID 869015, 5 pages, dpi:10.1155/2011/869015; 3) Seler, TG; Schmidinger, G.; Fischinger, I; Seller , T   Komplikationen der Vernetzung der Hornhaut  Ophthalmologe 2013 110.639-644 DOI 10.1007/s00347-012-2682-0; 4) Meek, KM; Hayes, S. Corneal cross-linking – a review Ophthalmic & Physiological Optics 2013, 33: 78-93