Dia Nacional de Combate à Cegueira

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Dia 26 de maio é o Dia nacional de combate à cegueira causada pelo glaucoma.

O Cristo Redentor, na Cidade do Rio de Janeiro, é iluminado na cor verde para lembrar este dia e conscientizar a população sobre o glaucoma. A cor verde está associada ao glaucoma porque a palavra glaucoma, originada do grego, tem como um dos seus significados a cor verde-azul.

A Associação Brasileira dos Amigos, Familiares e Portadores de Glaucoma – ABRAG e diversas clínicas oftalmológicas promovem atividades para conscientização sobre a doença. A Sociedade Brasileira de Glaucoma – sbglaucoma, associada ao Conselho Brasileiro de Oftalmologia estimula a divulgação de notícias e outras atividades relacionadas à data. Jornais, revistas, programas na televisão e páginas da internet apresentam informações sobre o glaucoma e a importância do diagnóstico e tratamento adequado para prevenir a evolução da doença, que pode provocar a cegueira em um ou em ambos os olhos .

Entretanto, divulga-se conceitos errados sobre o glaucoma. Praticamente todas as notícias ou textos dão ênfase às seguintes informações incorretas: 1) “o glaucoma é caracterizado pelo aumento da pressão ocular”; 2) “a medida da pressão ocular é a melhor maneira de se prevenir o glaucoma”.

A utilização isolada da medida da pressão intraocular para identificar o glaucoma e para prevenir a cegueira foi abandonada há muitos anos por dois motivos: 1) Muitos pacientes portadores da doença, inclusive em estágio avançado deixam de ser identificados — refere-se a isto como alta porcentagem de falso-negativos, ou seja, pessoas portadoras da doença que são consideradas normais apenas por apresentarem pressão intraocular na faixa da normalidade;      2) Muitas pessoas normais, que não são portadoras de glaucoma e possivelmente nunca apresentarão a doença, são identificadas como “suspeitos de glaucoma” ou  “portadoras de glaucoma” apenas porque a pressão ocular foi encontrada moderadamente elevada; refere-se a isto como alta porcentagem de falso-positivos, ou seja, pessoas normais que recebem o  diagnóstico do glaucoma e passam a ser tratadas desnecessariamente.

Porque a data não é utilizada para divulgar conceitos corretos sobre a doença? Para que identificar pessoas jovens que possam ser classificadas como “suspeitas de glaucoma”, apesar do baixo risco de desenvolverem a doença ou desenvolverem perda de visão causada pela doença?

Porque os esforços não são dirigidos para identificar as pessoas que apresentam maior risco de cegueira por glaucoma não diagnosticado, como pessoas idosas, particularmente aquelas que apresentam baixa de visão em um ou em ambos os olhos?

Muitos pacientes normais, que não são portadores de glaucoma mas apenas apresentam a pressão ocular moderadamente elevada, recebem o diagnóstico de glaucoma e passam a usar colírios pelo resto de suas vidas.

Conceito corretos:  (www.icoph.org; International Council of Ophthalmology; ICO Guidelines for Glaucoma Eye Care)

Glaucoma é um grupo de doenças no qual pode ocorrer perda de visão decorrente de dano no nervo ótico (neuropatia ótica). As duas formas mais comuns de glaucoma são o glaucoma de ângulo aberto e o glaucoma de ângulo fechado Juntos constituem a principal causa de perda irreversível da visão o mundo, cada um sendo responsável por aproximadamente 50% dos casos.

Nos países do mundo ocidental a forma mais comum de glaucoma é o glaucoma de ângulo aberto e em parte da Ásia o glaucoma de ângulo fechado.

O diagnóstico de glaucoma deve ser afastado em toda consulta oftalmológica pois os portadores da doença podem não manifestar sintomas.

O glaucoma é uma doença crônica e progressiva. No caso do glaucoma de ângulo fechado, a doença pode se manifestar de forma aguda, dolorosa, com risco de perda de visão rápida e constitui uma emergência médica.

O diagnóstico do glaucoma se baseia nas alterações características na cabeça do nervo ótico e na perda de campo visual. Outros dados do exame oftalmológico obtidos na anamnese, seguidos da medida da acuidade visual, biomicroscopia e gonioscopia, entre outros, são importantes para se firmar o diagnóstico. A medida da pressão ocular é indispensável, mas deve-se sempre ter em mente que, na presença do glaucoma, a pressão intraocular pode estar elevada ou não. A redução da pressão intraocular é a única intervenção que comprovadamente previne a perda de visão. O tratamento do glaucoma visa a redução da pressão ocular e é feito através do uso de colírios, laser ou cirurgia.

Médicos e leigos tendem a armazenar um padrão mental de referência para cada doença (schemata ou profiling), que é utilizado para formação do diagnóstico, frente às queixas dos pacientes e aos achados do exame médico. O padrão armazenado referente ao  glaucoma, que é influenciado pelas ideias apresentadas nas campanhas de prevenção da cegueira por glaucoma,  é utilizado nos processos cognitivos cerebrais para definir  a hipótese de diagnóstico do glaucoma. As campanhas de prevenção da cegueira estimulam o armazenamento de conceitos errados sobre o glaucoma e podem causar prejuízo à saúde pública: a doença deixa de ser identificada em muitos pacientes e podeprogredir em direção à cegueira, por falta de tratamento. Ao mesmo tempo, muitos pacientes que não são portadores de glaucoma são tratados como tal, sem necessidade, com impactos psicológicos sobre o paciente e custos desnecessários para o sistema de saúde.

Não é por acaso que aproximadamente 50% dos portadores de glaucoma permanece sem diagnóstico e sem tratamento e, ao mesmo tempo, aproximadamente 50% dos pacientes que usam medicamentos para tratamento de glaucoma não são portadoras da doença e não precisariam usar a medicação prescrita.

Triagem para glaucoma

Triagem para glaucoma

Triagem , rastreio ou screening para glaucoma é entendido como um esforço dirigido a adultos sem diagnóstico prévio da doença e que não apresentam sintomas, no sentido de identificar a presença de glaucoma primário de ângulo aberto (GPAA).

A entidade U.S. Preventive Task Force (USPSTF) realiza periodicamente revisões sobre a eficácia de procedimentos em diversas áreas da medicina. Em 2005 publicou parecer sobre a eficácia de screening para glaucoma e em 2013 publicou nova avaliação sobre o valor do screening para o glaucoma em adultos: Screening for glaucoma: U.S. Preventive Task Force recommendation statement. Guideline Summary NGC-9944.

O diagnóstico do GPAA se baseia em um conjunto de testes que identificam alterações do disco ótico e defeitos no campo visual característicos da doença. Apesar do aumento da pressão intraocular (PIO), no passado, ter sido considerada parte importante na definição do GPAA, sabe-se atualmente que muitos pacientes com GPAA não apresentam elevação da PIO e que muitos pacientes com elevação da PIO não apresentam GPAA. Por esse motivo, a utilização da medida da PIO para screening de glaucoma é inadequada.

Outros testes como medida dos campos visuais ou exame do disco óptico apresentam dificuldades devido à variabilidade dos resultados dos exames ou da avaliação por diferentes especialistas, o que limita o seu uso para screening.

USPSTF concluiu que não existem evidências científicas que confirmem os benefícios do screening para glaucoma.

USPSTF concluiu que não existem evidências que confirmem que o screening para glaucoma, ou o tratamento de pessoas que apresentam elevação da PIO sem perda de campo visual ou com manifestações iniciais de GPPA reduza o número de pessoas que desenvolverão perda de visão com comprometimento da qualidade de vida.

O tratamento do GPAA está dirigido à redução da PIO através de medicação ou cirurgia. A USPSTF concluiu que existem evidências  que confirmam que o tratamento nos casos especificados no parágrafo anterior reduz o número de pessoas nas quais ocorre piora dos defeitos de campo visual. Entretanto, a magnitude da efetividade na redução da perda de função visual, inclusive do desenvolvimento de cegueira, é incerta.

USPSTF concluiu que existem evidências de que o tratamento pode causar danos, incluindo irritação ocular e  complicações relacionadas a cirurgias. Concluiu também que o screening para glaucoma está associado a um risco elevado de resultados falso-positivos e falso-negativos, e que a magnitude deste risco é desconhecida. Concluiu que existe risco de diagnósticos equivocados  (overdiagnosis) e de tratamento excessivo (overtreatment) porque muitas pessoas com PIO elevada ou GPAA inicial apresentam uma evolução lenta e indolente da doença.

A ênfase ou exagero relacionado aos supostos benefícios da medida periódica da PIO, assim como a recomendação frequente ou rotineira de qualquer teste utilizado para screening de doença, pode estar relacionada a conflitos de interesses ou carregar algum incentivo financeiro (Cassets, 2012).

Referências:

U.S. Preventive Services Task Force. Screening for glaucoma: U.S. Preventive Services Task Force recommendation statement. Ann. Intern. Med. 2013 Oct 1; 159 (7): 484-9 (Guideline Summary NGC-9944)

Cassets, A.  Seeking Sickness. Cap. 2: Screening or eyeball pressure. Greystone Books, 2012, 1º ed., 192p.

Particularidades do glaucoma: doença não diagnosticada e excesso de tratamento

Glaucoma primário de ângulo aberto é uma doença que possui duas características opostas e conflitantes:

  • Aproximadamente 50% dos portadores de glaucoma permanecem sem diagnóstico;
  • Aproximadamente 50% dos pacientes que estão em tratamento de glaucoma não são portadores da doença (The unique problem of glaucoma: under-diagnosis and over-treatment – MASKATI e col. 2011).

O tratamento de glaucoma em pessoas que não são portadoras da doença decorre principalmente dos seguintes fatores:

  • Conceito arraigado de que a elevação da pressão ocular, entre 18 e 24 mmHg, apesar de disco ótico e campos visuais normais, por si só conduz ao diagnóstico de glaucoma;
  • Influência das indústrias sobre os médicos, incentivando a prescrição de tratamento em “suspeitos de glaucoma”, para “prevenção da cegueira” e incentivando também a realização de exames complementares com equipamentos sofisticados;
  • Valorização excessiva de exames complementares, que proliferam com o suposto objetivo de identificar pacientes sob-risco de desenvolver glaucoma;
  • Receio de cegueira, por pacientes e médicos.

“In a world where it has become acceptable to treat risk factors, however weak, as diseases in their own right, we must learn to resist over diagnosis” (HEATH, 2013)

Os efeitos indesejáveis de tratamento excessivo são:

  • Pessoas normais passam a viver sob o fantasma de serem portadores de uma doença que pode levar à cegueira;
  • Os efeitos colaterais de colírios usados para tratamento do glaucoma podem afetar a qualidade de vida das pessoas;
  • O custo dos medicamentos pode ser elevado;
  • Pacientes passam a realizar, periodicamente, exames complementares com gastos desnecessários, custeados pelos pacientes ou pelo sistema de saúde pública ou complementar.

A porcentagem de portadores de glaucoma que permanecem sem diagnóstico e, portanto, sem tratamento, é elevada pelos seguintes motivos:

  • Conceito de que a presença de elevação da pressão ocular é fundamental para suspeitar ou diagnosticar o glaucoma – aproximadamente 1/3 dos pacientes manifestam a doença com pressões intraoculares na faixa da normalidade ou levemente elevadas;
  • Evolução lenta e assintomática da doença – quando os pacientes identificam piora da visão devido ao glaucoma, a doença geralmente está avançada;
  • Dificuldade de acesso ao atendimento por oftalmologistas, particularmente para pessoas com idade avançada nas quais a incidência de glaucoma é mais elevada.

Alguns estudos relatam que uma porcentagem elevada de pessoas registradas com cegueira decorrente do glaucoma já apresentava doença avançada quando o diagnóstico de glaucoma é realizado (KOTECHA e col., 2012). Em um estudo (WONG e col. 2004), mais de 50% dos pacientes sem diagnóstico prévio apresentavam pressão intraocular inferior a 21 mmHg e haviam se consultado com um especialista em oftalmologia nos 12 meses anteriores. Além disso, 100% apresentavam idade acima de 50 anos.

Há necessidade de iniciativas para despertar a consciência da população e de órgãos ligados à saúde pública sobre essas particularidades do glaucoma: glaucoma que permanece sem diagnóstico  e tratamento de pessoas que não são portadoras da doença.

Apresentamos a seguir os campos visuais de dois pacientes atendidos recentemente, com 86 e 92 anos de idade, que apresentavam glaucoma avançado e que não haviam recebido o diagnóstico da doença, apesar de estarem em acompanhamento por especialistas, inclusive tendo realizado cirurgia de catarata nos dois olhos. A pressão intraocular era 18 mmHg em um dos olhos e 24 mmHg no outro no primeiro paciente e 18 mmHg nos dois olhos do segundo.

Leia também :

Risk Factors Of Blindness Due To Primary Open Angle Glaucoma Versus Doubtful Benefits Of Identifying Patients At Risk Of Glaucoma

Cegueira No Glaucoma – I

Referências
  1. Maskati, Q;Nayak, B; Parikh, R. The unique problem of glaucoma: under-diagnosis and over-treatmentIndian Journal od Ophthalmology, 59.9 Jan 2011. Editorial. GALE|A245182456
  2. Kotecha, A; Fernandes, S.; Bunce, C; Franks, WA Avoidable sight loss from glaucoma: is it unavoidable? Br. J. Ophthalmol 2012, 96: 816-820
  3. Wong, EYH; KEEFFE, JE; RAIT, JL; VU, HTV; LE, A; McCARTHY, C; TAYLOR, HR Detection of undiagnosed Glaucoma by Eye Health Professionals Ophthalmology 2004; 111:1508-1514
  4. Heath, I Overdiagnosis: when good intentions meet vested interests. BMJ 2013; 347:f6361