CNH e visão – falhas na legislação
A existência de estrabismo ou tropias é apresentada como impedimento à obtenção de CNH nas categorias C, D e E. A legislação não esclarece se a questão se refere à deficiência na visão estereoscópica ou à simples presença do estrabismo. Testes para medida da visão estereoscópica não fazem parte da rotina do exame oftalmológico para obtenção ou renovação da CNH, apesar da obrigatoriedade da presença de equipamento para “avaliação” da estereopsia nos consultórios credenciados. A resolução 425/2012 manteve entre os requisitos mínimos nas clínicas credenciadas “equipamento para avaliação do campo visual, da estereoscopia, do ofuscamento e da visão noturna”.
A verificação das exigências da legislação de outros países referentes à obtenção de licença para dirigir veículos automotores mostra que o estrabismo não é impedimento para obtenção de licença para dirigir, inclusive no caso de motoristas profissionais. O termo “visão binocular” encontra-se definido em instruções para exame visual para carteira de motorista em outros países como “visão nos dois olhos”; no caso de campo visual “binocular” o termo é definido como campo visual com os dois olhos abertos.
Acuidade visual estereoscópica não tem o mesmo significado de visão de profundidade; pessoas estrábicas com boa visão nos dois olhos ou pessoas cegas de um olho, apresentam visão de profundidade adequada para direção segura. A estereopsia é importante apenas para atividades próximas, até 2,5 metros, como estacionamento. A resolução 425/2012, em seu anexo II, ao definir as exigências oftalmológicas para os candidatos à CNH, não apresenta exigências relacionadas à visão estereoscópica.
Ao que tudo indica, a restrição ao portador de estrabismo, para obtenção de carteira de motorista categorias C a E, refere-se a uma falha na interpretação do texto da lei sobre o significado de “visão binocular”.
No que se refere ao ofuscamento e visão noturna, o Conselho Federal de Medicina manifestou-se, em seu parecer nº 14/12, no sentido de que não há aparelhos disponíveis no momento, para mensurar a sensação de ofuscamento. O CFM recomenda ao CONTRAN a retirada da exigência de aparelhos para avaliação de ofuscamento e visão noturna, já que não existe comprovação da eficácia dos aparelhos atualmente disponíveis.
No que se refere ao equipamento para avaliação de campo visual, a resolução não faz referência ao tipo de equipamento exigido. Há muitos anos, os perímetros mais utilizados por oftalmologistas são os perímetros computadorizados, que utilizam a técnica de perimetria estática e apresentam precisão e reprodutibilidade. Além dos aspectos destacados acima, os perímetros mais utilizados por oftalmologistas permitem a avaliação do campo visual nos 30º centrais. Por este motivo, a exigência da legislação de que os candidatos devem ter 120º na isóptera horizontal nos dois olhos ou, nas categorias A e B, 120º na isóptera horizontal no melhor olho, raramente é verificada.
CNH – modificações das exigências relativas à visão
As regras da legislação de trânsito relativas ao exame oftalmológico têm sido modificadas e aprimoradas ao longo do tempo, tanto no que se refere às exigências relativas à visão dos candidatos quanto às instalações das clínicas credenciadas.
Muitas consultas oftalmológicas são motivadas por dúvidas dos pacientes, previamente ao exame para obtenção ou renovação da CNH ou por terem sido reprovados no exame oftalmológico, tendo sido solicitado relatório de exame oftalmológico. O dinamismo das regras e a grande demanda de consultas motivadas por interesses ligados ao exame para CNH mostra a importância do assunto para todos os oftalmologistas e para a população em geral.
Como exemplo de modificações nas regras ao longo do tempo verifica-se:
Acuidade visual da categoria A e B
Regras antigas (resolução n º 80/1998) – 20/30 nos dois olhos ou 20/25 no melhor olho
Regras atuais (resolução 425/2012) – 20/40 nos dois olhos ou 20/30 no melhor olho (exigência atual)
Acuidade visual nas categorias C, D e E
Regras antigas (resolução n º 80/1998) – 20/30 ou melhor nos dois olhos
Regras atuais (resolução 425/2012) – 20/30 no melhor olho e 20/40 no outro olho, com visão binocular 20/25
Visão cromática
Era exigido que o candidato fosse capaz de identificar as cores vermelha, amarela e verde. Atualmente, portadores de daltonismo ou discromatopsia poderão ser considerados aptos no exame oftalmológico, desde que sejam capazes de distinguir as cores básicas da sinalização, em testes realizados com lanternas luminosas dispostas na posição padronizada apresentada pelos semáforos.
Outra alteração na legislação refere-se à restrição de letra “V”, que foi abolida. Esta restrição que constava do anexo XV da resolução 267/2008: “obrigatório o uso de capacete de segurança com viseira protetora sem limitação de campo visual” foi retirada e não aparece na resolução 425/2012 , pelo simples motivo de que não existe capacete de segurança com viseira protetora que não cause alguma limitação no campo visual.
O reconhecimento de que a legislação pode ser alterada por iniciativas de pessoas interessadas é importante para que as regras praticadas no Brasil fiquem alinhadas com as regras vigentes em outros países do mundo.
As restrições decorrentes de deficiências detectadas no exame de aptidão física ou mental constam na CNH sob forma codificada (anexo XV da resolução nº 425/2012).
As restrições estão codificadas de A até X.
Os códigos de restrições relacionadas à visão são:
A – obrigatório o uso de lentes corretivas
T – vedado dirigir em rodovias e vias de trânsito rápido
U – vedado dirigir após o pôr-do-sol
X – outras restrições
O código X pode fazer referência às recomendações não explicitadas no anexo XV, relacionadas à visão ou a qualquer outra deficiência detectada no exame físico.
Recomendações relacionadas à visão, segundo orientação do oftalmologista, devem ser revalidadas pela Junta Médica Especial. A análise da aptidão pela autoridade competente é aplicável a cada renovação.
Em CNH e visão, apresenta-se as exigências visuais para obtenção da CNH, nas diferentes categorias. Esta regulamentação consta da resolução nº 425/2012 do CONTRAN.
As exigências para conduzir ciclomotor (ACC) e para dirigir veículos das categorias A e B são:
- acuidade visual igual ou superior a 20/40 em cada um dos olhos ou igual ou superior a 20/30 em um dos olhos ainda que o outro olho seja cego;
- visão periférica na isóptera horizontal igual ou superior a 60º em cada um dos olhos ou superior a 120º em um dos olhos
- Caso ocorra perda de visão em um olho, desde que a visão do outro olho atenda as exigências da lei, devem estar decorridos no mínimo 90 dias da perda da visão.
As exigências para as categorias C, D e E são:
1. acuidade visual central igual ou superior a 20/30 em cada um dos olhos ou igual ou superior a 20/30 em um dos olhos e 20/40 ou superior no outro olho, com visão binocular mínima de 20/25.
2. Visão periférica na isóptera horizontal igual ou superior a 120º em cada um dos olhos
Os valores de AV exigidos poderão ser obtidos sem ou com correção óptica, devendo, nesse último caso, constar da CNH a observação “obrigatório o uso de lentes corretoras”.
Portadores de estrabismo poderão ser aprovados somente nas categorias A e B e ACC, sendo necessário acuidade visual central igual ou superior a 20/30 no melhor olho e visão periférica igual ou superior a 120º em pelo menos um dos olhos.
No que se refere à visão cromática, os candidatos à direção de veículos devem ser capazes do reconhecimento das luzes semafóricas em posição padronizada, prevista no CTB.
No que se refere à visão noturna e à reação ao ofuscamento, o candidato deverá possuir visão em baixa luminosidade e recuperação adequada após ofuscamento direto.
CNH e Exame de aptidão física
A primeira das exigências para obtenção da habilitação para dirigir é ter aptidão física e mental. A lei determina que o exame de aptidão física e mental deverá ser preliminar e renovável a cada cinco anos, ou a cada três anos para condutores com mais de 65 anos de idade. Este exame incluirá sempre avaliação psicológica na primeira habilitação e será exigida nas renovações sempre que o condutor exercer atividade remunerada ao veículo.
Quando houver indícios de deficiência física ou mental, ou presença de doença potencialmente progressiva que possa diminuir a capacidade para conduzir veículo, o prazo para revalidação da licença para conduzir poderá ser diminuído por recomendação do perito examinador.
O exame de aptidão física e mental é exigido para obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) ou de autorização para conduzir ciclomotor, renovação, adição ou mudança de categoria. Sua regulamentação consta da resolução nº 425/2012, do CONTRAN.
O exame de aptidão física e mental inclui uma avaliação oftalmológica, além do exame físico e avaliações otorrinolaringológica, cardiorrespiratória, neurológica, do aparelho locomotor, dos distúrbios do sono (exigida quando da adição ou mudança de categoria). Exames complementares ou especializados podem ser solicitados a critério médico.
Na existência de deficiência física, o exame será realizado por Junta Médica Especial designada pelo órgão ou entidade de trânsito do Estado e pode ser solicitado em situações de deficiência visual.
No exame de aptidão física e mental o candidato será considerado pelo perito examinador de trânsito como:
I – apto – quando não houver contraindicação para a condução de veículo na categoria pretendida;
II – apto com restrições – quando houver necessidade de registro na CNH de qualquer restrição referente ao condutor ou adaptação veicular;
III – inapto temporário – quando o motivo da reprovação para a condução de veículo automotor na categoria pretendida for passível de tratamento ou correção;
IV – inapto – quando o motivo da reprovação para a condução de veículo automotor na categoria pretendida for irreversível, não havendo possibilidade de tratamento ou correção.
No resultado “apto com restrições” constarão na CNH as observações codificadas no Anexo XV da resolução nº 425/2012.
Ainda nesta resolução, art. 16, consta que a sala de exame médico deverá dispor de tabela de snellen ou projetor de optotipos, equipamento refrativo de mesa (facultativo), equipamento para avaliação do campo visual, da estereopsia, do ofuscamento e da visão noturna, assim como material para identificação das cores verde, vermelha e amarela.

Categorias da CNH – Carteira Nacional de habilitação.
O código de trânsito brasileiro regulamenta o trânsito nas vias terrestres do território nacional abertas à circulação. As regras estão estabelecidas na Lei nº 9.503/1997 e em legislação complementar formada por resoluções do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) e portarias do Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN).
A finalidade dessas regras é permitir o trânsito em condições seguras na utilização das vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga e descarga.
A lei determina a necessidade de licenciamento dos veículos automotores, assim como a habilitação dos condutores. Uma das exigências para obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) é ser aprovado no exame de aptidão física e mental, que inclui uma avaliação oftalmológica.
Apresentaremos, em uma sequência de textos, as principais questões relacionadas à visão, de acordo com a legislação de trânsito no Brasil.
Categorias da CNH
A habilitação para conduzir veículos automotores e elétricos estabelece as categorias A a E, de acordo com as características dos veículos, obedecida a seguinte gradação:
Categoria A – condutor de veículo motorizado de duas ou três rodas, com ou sem carro lateral.
Categoria B – condutor de veículo motorizado, não abrangido na categoria A, cujo peso bruto total não exceda a 3.500 Kg e a lotação não exceda a oito lugares, excluído o motorista.
Categoria C – condutor de veículo motorizado utilizado no transporte de carga, cujo peso bruto total exceda a 3.500 Kg.
Categoria D – condutor de veículo motorizado utilizado no transporte de passageiros, cuja lotação exceda a oito lugares, excluído o motorista.
Categoria E – condutor de combinação de veículos em que a unidade tratora se enquadre nas categorias B, C ou D e cuja unidade acoplada, reboque, semirreboque, trailer ou articulada tenha 6.000 Kg ou mais de peso bruto total ou cuja lotação exceda a oito lugares.
Para se habilitar na categoria C, o condutor deverá estar habilitado no mínimo há um ano na categoria B. Para se habilitar nas categorias D e E ou para conduzir veículo de transporte coletivo de passageiros, de escolares, de emergência ou de produto perigoso, o condutor deve ser maior de 21 anos e estar habilitado no mínimo há dois anos na categoria B ou há um ano na categoria C.
Para conduzir em via pública, trator, equipamento destinado à movimentação de cargas, trabalho agrícola ou de pavimentação, o condutor deverá ser habilitado nas categorias C, D ou E.
As exigências referentes ao exame oftalmológico diferem conforme a categoria da CNH.
Um condutor pode não estar apto nas categorias C a E, mas estar apto nas categorias A e B.
A importância dos olhos está presente nas palavras do nosso cotidiano.
A seguir uma lista de expressões e provérbios que evidenciam a importância da visão e a crença popular de poderes mágicos ou especiais relacionados aos olhos.
[symple_column size=”one-half” position=”first” fade_in=”false”]
Em terra de cego quem tem um olho é rei
O que os olhos não veem o coração não sente
Olho por olho, dente por dente
Os olhos são o espelho da alma
Pimenta nos olhos dos outros é refresco
Ter o olho maior do que a barriga /
Olhos maiores do que o estômago
Um olho no peixe e o outro no gato
A beleza está nos olhos de quem vê
Dormir com um olho aberto e outro fechado
Cego em meio a tiroteio
Cego em briga de foice
Ficar a ver navios
Custar os olhos da cara
Pagamento “à vista”
Pagamento “a perder de vista”
Em um piscar de olhos
De encher os olhos
Fechar os olhos para
Fazer vista grossa
Não pregar o olho
Olho da Rua
Olho da fechadura
Olho do Furacão
Olho de águia
Olho de lince
Olho de vidro
Olho da sogra
Olho mágico
Ponto de vista
Golpe de vista
Saltar aos olhos
Abrir os olhos de alguém
Ficar de olho vivo
Olheiro
Olho clínico
Olhar de peixe morto
Rabo de olho
[/symple_column][symple_column size=”one-half” position=”last” fade_in=”false”]
Olho de matar pinto
Mau olhado
Olho gordo
Lançar poeira nos olhos
Ver com bons olhos
Ver com maus olhos
Olhar torto
Olhar de soslaio
Amor à primeira vista
À primeira vista
São seus olhos
Pelos seus lindos olhos
A menina dos meus olhos
Só ter olhos para
Andar de olho em
Olho comprido para
Olhos nos olhos
Evidente
Sem sombra de dúvida
Claramente / É claro /
Minhas ideias clarearam
Testemunha ocular
Acreditar nos próprios olhos
Ter algo a ver / Logo se vê / Está se vendo
Veja o que diz
Olhe aqui
Vidente
Visionário
Olhar para o dia de amanhã
Visões do mundo/ Visão da vida / Visão do problema
Revisão
Pessoa iluminada
brilhante/ mente brilhante / pessoa brilhante
Mandar ver
A olhos vistos
A olho nu
Ao alcance dos olhos
[/symple_column]
Neither professionals nor clients may be aware of how their beliefs are shaped by related slogans and images repeated by many players in many venues. (Eileen Gambrill -PROPAGANDA in the Helping Professions).
Nas cirurgias de catarata implanta-se uma lente intraocular que tem por objetivo substituir oticamente o cristalino. A escolha da lente a ser implantada envolve critérios individualizados para cada paciente.
As lentes intraoculares usualmente implantadas proporcionam ótimos resultados no que se refere à segurança e qualidade da visão. Há alguns anos, passaram a ser fabricadas lentes intraoculares que corrigem também o astigmatismo, lentes intraoculares tóricas e também lentes intraoculares multifocais, que podem oferecer ao paciente correção visual satisfatória para longe e perto. As lentes intraoculares tóricas e multifocais geralmente são apresentadas aos pacientes como “lentes intraoculares premium” ou como lentes intraoculares de tecnologia avançada, LIOTA (lentes asféricas monofocais, tóricas, multifocais ou multifocais tóricas).
Lentes intraoculares tóricas ou multifocais têm custo mais elevado do que lentes esféricas de mesma procedência e geralmente não são fornecidas por planos de saúde ou pelo SUS. A escolha dessas lentes deve ser uma decisão a ser tomada pelo paciente, a partir das características de seu olho e de suas expectativas quanto à necessidade do uso de óculos após a cirurgia da catarata, com base nas informações que recebe de seu médico e gera um custo a ser pago pelo paciente.
Muitos pacientes ficam extremamente satisfeitos com a visão obtida após a implantação das lentes intraoculares tóricas ou multifocais. Entretanto, diversos pacientes ficam insatisfeitos após a implantação destas lentes. Os motivos principais da insatisfação são a perda da qualidade da visão principalmente à noite, devido à redução da sensibilidade de contraste, e reflexos ou ofuscamento com luzes, particularmente após a implantação de lentes multifocais. Além disso, alguns pacientes podem continuar necessitando de óculos, para perto, para longe ou para ambos, o que pode causar frustração em suas expectativas (Schena, L.B. Working to make the premium IOL patient happy. Eye Net Magazine, February 2009; American Academy of Ophthalmology).
O uso da palavra “premium” para se referir a essas lentes é equivocado e deve ser banido por oftalmologistas e pela indústria. A palavra “premium” aparece em muitos produtos médicos ou não médicos e esta palavra é utilizada para sugerir superioridade frente às outras alternativas, com finalidade de induzir o cliente ao consumo de produtos, inclusive pagando um preço mais elevado por eles.
Em sites de vendas online, ao se digitar a palavra “premium”, obtém-se dezenas de produtos nos quais esse termo está incorporado ao nome: sabão em pó, panettone, milho de pipoca, cerveja, lombo congelado, chá, desodorante, papel higiênico, saco para lixo , azeitona, castanha, café, chocolate, papel A4, entre outros.
O nome escolhido ou adjetivo utilizado para se referir a determinado produto é uma técnica bem conhecida em propaganda. Quando você lê “premium” no nome de um produto, automaticamente, seu cérebro manda um estímulo dizendo que aquele produto é de alta qualidade. Esta tática frequentemente é utilizada em substituição à argumentação lógica e racional que passa a ser substituída por uma ideia ou crença, baseada nos méritos do nome escolhido. Trata-se de uma falácia cognitiva para despertar preconceitos positivos que irão influenciar uma escolha, o que é chamado de argumentum ad hominem.
O uso da palavra “premium” ou mesmo lentes de tecnologia avançada para se referir a determinadas lentes intraoculares é inadequado. O seu uso pode influenciar o paciente sem permitir uma avaliação adequada de vantagens e desvantagens das diferentes lentes. As palavras utilizadas pelo médico devem permitir a avaliação e escolha livres e conscientes pelo paciente. O paciente pode optar por lentes nacionais ou importadas, esféricas, asféricas, tóricas, multifocais etc., mas deve saber que nenhuma destas lentes é “premium”.
Leia também o artigo Excessos da medicina e como preveni-los
A medicina assistiu a um grande avanço na prevenção de doenças. Quatro níveis de prevenção são identificados.
A prevenção primária consiste em um conjunto de medidas dirigidas a determinada doença ou grupo de doenças, com o objetivo de interceptar as causas, antes que o ser humano seja atingido pela enfermidade. O exemplo clássico é o uso de vacinas.
A prevenção secundária consiste em um conjunto de medidas cujo objetivo é a identificação precoce da doença ou de fatores que supostamente favorecem o seu aparecimento e a adoção de medidas para minimizar suas consequências. Atualmente, a atividade médica está repleta de exames e atitudes baseadas na prevenção secundária e identificação dos chamados fatores de risco. Podem ser citadas a medida da pressão intraocular e a dosagem de PSA.
A prevenção terciária tem seu foco dirigido ao tratamento da doença, reduzindo suas complicações e reabilitando o paciente. A prevenção terciária se confunde com a atuação tradicional do médico.
A prevenção quaternária teve seu conceito introduzido há pouco mais de dez anos. Consiste em um conjunto de ações ou atitudes cujo objetivo é identificar o paciente sob risco de ser submetido a exames, intervenções ou tratamentos médicos desnecessários. Em suma, o objetivo da prevenção quaternária é proteger o paciente dos excessos da medicina, das atitudes preventivas inapropriadas, do tratamento excessivo, da iatrogenia.
Inúmeros exames e procedimentos novos foram introduzidos nos últimos anos. Esses exames permitiram diagnósticos mais precisos e, frequentemente, mais precoces. Em alguns casos, entretanto, exames sofisticados fornecem informações cujo valor real para o paciente ainda não está bem esclarecido.
Na verdade, a ênfase na identificação de fatores de risco para algumas doenças e a introdução de tratamentos precoces nem sempre estão acompanhadas de estudos científicos bem controlados que comprovem o seu valor para os pacientes. Exames e tratamentos de custo elevado são incentivados pela indústria farmacêutica ou de equipamentos, que influenciam os médicos através de visitas em seus consultórios, com incentivos como: amostras, brindes, pagamentos de viagens e inscrições em congressos, presença ostensiva em congressos e patrocínio de sociedades médicas.
Na oftalmologia, chama a atenção o excesso de exames complementares realizados em pacientes classificados como “suspeitos” de glaucoma, de doenças da mácula, de doenças da córnea etc. Podem ser citados: tomografia de coerência óptica, ceratoscopia computadorizada, microscopia especular da córnea, paquimetria e outros. Esses exames podem ser muito importantes para esclarecer diagnósticos e para controle de tratamento ou evolução de doenças. O problema é que passaram a ser solicitados em situações nas quais não são indispensáveis e têm sido repetidos periodicamente sem necessidade.
O excesso de exames complementares desnecessários tem algumas causas bem conhecidas. Podem ser citadas: o tempo reduzido que o médico dedica ao exame do paciente, que é substituído pelo resultado dos exames solicitados; padronização de um conjunto de exames complementares para todos pacientes com tal ou qual problema, os chamados “protocolos”; e, ainda, os conflitos de interesse. Estes estão presentes quando os interesses do médico ligados à realização de tratamentos ou exames complementares não estão alinhados aos melhores interesses dos pacientes, por exemplo, quando os interesses do médico ligados à remuneração influenciam o seu julgamento. Todos esses fatores são potencializados pelas características da atividade médica ligada a planos de saúde: vínculos frágeis na relação médico-paciente, tempo disponível ao paciente reduzido, baixa remuneração oferecida ao médico, pagamentos adicionais individualizados por cada exame complementar.
Tratamentos crônicos, de custo mensal elevado e efeitos colaterais significativos são indicados em pacientes “suspeitos de glaucoma”, ou seja, que não são portadores da doença e talvez nunca viriam a ser. Cirurgias de catarata são realizadas em pacientes que não são portadores de catarata; anéis intracorneanos são indicados e colocados em pacientes com ceratocone, que poderiam simplesmente usar óculos ou lentes de contato.
Naturalmente o custo para a sociedade de tantos exames, intervenções e tratamentos que poderiam ser evitados é enorme. Quais atitudes estão à disposição dos pacientes e dos médicos para reduzir os riscos dos excessos da medicina?
Do médico, espera-se que exerça a medicina priorizando os interesses do paciente; disponibilize ao paciente o intervalo de tempo adequado para escutá-lo, examiná-lo, orientá-lo e dar os esclarecimentos que forem solicitados; suas ações sejam fundamentadas nas melhores evidências científicas disponíveis; mantenha presente a consciência de que os recursos para a saúde são limitados e devem ser utilizados criteriosamente, sejam eles provenientes dos pacientes, planos de saúde ou SUS; tratamentos ou exames complementares de utilidade duvidosa representam uma agressão psicológica e podem causar efeitos colaterais; estabelecer uma boa relação médico-paciente é fundamental para a obtenção de bons resultados e para a segurança do seu trabalho.
Ao paciente cabe adotar as recomendações que recebe do médico, apenas após solicitar todas as informações que julgar necessárias sobre a necessidade e custo dos procedimentos indicados, assim como os principais riscos caso opte por seguir as recomendações. É a chamada decisão compartilhada entre médico e paciente. O paciente pode, ainda, buscar uma segunda opinião caso não se sinta seguro ou completamente esclarecido em suas dúvidas, particularmente frente à recomendação de uso crônico de medicamentos, indicação de procedimentos cirúrgicos, exames complementares de custo elevado ou alta complexidade. A segunda opinião é um direito do paciente previsto no código de ética médica e pode ajudá-lo em suas decisões relacionadas às recomendações que recebeu do primeiro médico.