Preço de lentes de contato para ceratocone

O preço de lentes de contato para ceratocone varia  entre diferentes médicos ou  clínicas oftalmológicas. Essa variação decorre dos honorários cobrados por cada médico.

Adaptação de lentes de contato em ceratocone apresenta particularidades e exige experiência  do oftalmologista. A maioria dos oftalmologistas tem pouca experiência com lentes de contato corneanas gás-permeáveis  para ceratocone. O motivo é simples: há décadas,  mais de 95% das lentes adaptadas são lentes gelatinosas.

Em nosso consultório, temos grande experiência de adaptação de lentes de contato em centenas de pacientes com ceratocone. Pacientes com ceratocone moderado ou avançado necessitam lentes corneanas gás-permeáveis.

Em nossa opinião, raramente estará indicada adaptação de lentes esclerais. O preço das lentes esclerais é aproximadamente 5 a 6 vezes mais elevado. Além disso, mais pacientes conseguem usar a lente corneana gás-permeável durante todo o dia, em comparação com as lentes esclerais. A cirurgia para colocação de lente estenopeica intra-ocular é arriscada  e deve ser evitada.

Portadores de ceratocone pouco avançado geralmente apresentam boa visão com óculos. Esses pacientes tem a opção de usar, ou não usar, lentes de contato. Geralmente, também podem usar lentes gelatinosas descartáveis, caso queiram usar lentes de contato.

Planos de saúde não cobrem os custos com lentes de contato, mesmo quando elas são indispensáveis para o paciente obter boa visão.

Equívocos em Pareceres do CFM e dos CRMs

Yehuda Waisberg – Médico/Oftalmologista – CRM-MG 7.640

Graduação FM-UFMG 1974 – Doutor em Oftalmologia-UFMG 1978; Professor Adjunto de Oftalmologia da UFMG (aposentado); atua como médico oftalmologista em seu consultório

+55 31 32132666

1. Pareceres do CFM e dos CRMs

Os Conselhos Regionais de Medicina (CRMs) e o Conselho Federal de Medicina (CFM) são responsáveis pelo registro de médicos e empresas que atuam no segmento da medicina. Tem o poder de definir as normas que devem ser respeitadas pelos médicos inscritos, no exercício da profissão. Ademais, tem a obrigação de proteger a sociedade, no que se refere à boa prática médica. Nesse sentido, tem o poder de fiscalizar e missão institucional disciplinar.

Muitas consultas sobre temas variados relacionados ao exercício da profissão médica são encaminhadas aos CRMs e ao CFM para orientação e para dirimir dúvidas. Para agilizar e padronizar a emissão de pareceres oriundos das consultas recebidas, o CFM emitiu diversas resoluções do CFM relativas ao procedimento da deliberação e emissão de Pareceres-consultas.  Cada uma dessas resoluções foi revogada e substituída pela que a sucedeu: Resoluções CFM nº 1.450/1995; nº 1.769/2005; 1.892/2009; nº 2.070/2014.

Segundo a Resolução CFM nº 2.070/2014, os processos-consulta originam-se de uma consulta e os autos devem conter a documentação para subsidiar ao relator na emissão do Parecer. Todos os pareceres precisam ser aprovados em plenária do Conselho. As consultas são respondidas em caráter impessoal, de forma genérica e não individualizadas. Quando se tratar de temas que necessitem de conhecimentos técnicos especializados, os conselheiros relatores poderão contar com a contribuição de câmaras técnicas dos Conselhos, de sociedades médicas, ou ainda da área acadêmica, para subsidiá-los na emissão do parecer. Os pareceres aprovados pelo CFM são comunicados aos CRMs.

O presente texto cita alguns pareceres emitidos por CRMs ou pelo CFM e discute a necessidade de maior transparência nos pareceres emitidos, revisão periódica dos pareceres já emitidos, cancelamento de pareceres ultrapassados e seleção rigorosa das consultas que devem gerar pareceres no futuro.

2. Equívocos em Pareceres do CFM e dos CRMs : alguns exemplos

No presente texto serão comentados quatro pareceres que tratam de questões relacionadas aos olhos: o Parecer CFM nº 21/2003, o Parecer CFM nº 8/2019, o Parecer CREMEB nº 05/09  e o Parecer Cremesp nº 22.538/2017.  

2.a            O Parecer CFM nº 21/2003, em sua ementa, conclui: “Lasik. Procedimento oftalmológico. Inexistência de obrigatoriedade de apresentação de consentimento do paciente.” O texto expositivo do Parecer, ao final, manifesta o entendimento do CFM: “o termo de consentimento só é exigível e obrigatório nos casos de pesquisa e que, considerando que a cirurgia de miopia pelo método lasik não se enquadra como cirurgia experimental, sendo de prática rotineira, o médico não está obrigado a aplicá-lo”. 

Comentário: A ementa do parecer CFM nº 21/2003 é extemporânea e absurda.  É incompreensível existir uma ementa do CFM que libera o médico de obter consentimento informado para realizar um procedimento cirúrgico eletivo, que não é parte da prática rotineira e que apresenta riscos e complicações bem conhecidas. O Parecer não deveria ter sido aprovado em plenário em 2003 e já deveria ter sido cancelado. É um exemplo de que os CRMs e CFM devem ser criteriosos para emitir pareceres-consulta e esses devem ser permanentemente revistos.

2.b           O Parecer Cremesp nº 22.538/2017, em sua ementa conclui: “O uso terapêutico do colírio de atropina para controle da progressão de miopia em crianças é reconhecido cientificamente possui eficácia comprovada. O Parecer CFM nº 8/2019, em sua ementa, conclui: “O uso de uma gota/noite de colírio de atropina (0,01%) para controle da taxa de progressão de miopia em crianças é de eficácia clínica comprovada e reconhecida cientificamente, devendo o seu fracionamento seguir as normas emanadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária”.

Comentário: O texto do Parecer do CFM nº 8/2019 se desenvolve ao longo de 24 páginas, assemelha-se a uma pequena revisão bibliográfica. Orienta os médicos a prescrever determinada droga, em crianças, à semelhança de uma bula de medicamento. À página 19, sob o subtítulo “Qualidade alta de evidência”, descreve que a qualidade das evidências científicas relacionada aos benefícios do tratamento é apenas baixa ou moderada. À página 20, o conselheiro-relator conclui que: “É adequado o uso de colírio de atropina na concentração de 0,01%, aplicando uma gota à noite, na miopia de início precoce (crianças) com o objetivo de reduzir a progressão da doença até a sua provável estabilização após a adolescência.

Não há unanimidade ou consenso com relação a esse tratamento. Pesquisa recente entre oftalmologistas pediatras na Índia (Kesarwani), relata que 65% dos entrevistados começaram a prescrever colírio de atropina 0,01 aos seus pacientes e que 47% manifestaram apreensão com os efeitos a longo prazo dessa medicação. Não é função dos CRMs ou do CFM validar o uso dessa medicação ou sugerir determinada prescrição e dosagem, frente a outras abordagens médicas utilizadas rotineiramente em crianças portadoras de miopia. 

2c.            O Parecer CREMEB nº 05/09 aprovado em 5/3/2009, em sua ementa, conclui: “A cirurgia refrativa pode ser indicada para trabalhadores que estejam impossibilitados de usar óculos, desde que estejam de acordo com as normas emanadas pelo CFM e que sejam devidamente acompanhados pelo oftalmologista assistente, que deverá fazer a indicação do procedimento.

Esse parecer apresenta uma ementa inútil, por vazia em seu conteúdo. Seu único objetivo parece ser manifestar a concordância e apoio do CRM à cirurgia refrativa, de forma genérica. Esse parecer tem a utilidade de apresentar um breve histórico de pareceres relacionados à cirurgia refrativa, CFM 1.459/1995, CFM 1.622/2001, Cremec 17/2002, CFM 1.762/05, CFM 1.843/2008. 

3. Discussão

A medicina não é uma instituição homogênea. Diagnósticos e tratamentos estão agrupados em “escolas” vagas que permeiam o setor de saúde. As opiniões médicas a respeito da interpretação e gerenciamento de sinais e sintomas são variadas e todas são mais ou menos legítimas (Freidson). Diferentes médicos, diante de um mesmo paciente, podem ter opiniões diversas com relação ao diagnóstico e ao tratamento mais indicado (Kaplan&Frosch).

Os CRMs e o CFM controlam o registro de médicos, clínicas, hospitais, laboratórios e estabelecem as normas a serem seguidas por aqueles registrados nos conselhos. Fiscalizam a boa prática médica, zelam pela saúde dos cidadãos e exercem função disciplinar. As atribuições dos conselhos não se confundem com aquelas da ANVISA ou ANS, do órgão americano Food and Drug Administradtion – FDA, ou de centros universitários. É impossível para os conselhos avaliar, aprovar, considerar usuais ou experimentais, todas as drogas, equipamentos, procedimentos e intervenções utilizados por médicos das diferentes especialidades em todos os rincões do País.

Todos e cada um dos médicos e empresas do setor de saúde devem atuar com zelo e competência, respeitar as normas ditadas pelo CFM e respondem pelos seus atos na esfera cível e criminal e, eventualmente, podem sofrer sanções disciplinares impostas pelo órgão fiscalizador.

Há que se evitar que alguns médicos ou grupos interessados em utilizar tal ou qual medicamento, intervenção ou procedimento, se utilizem dos CRMs, para validar ou respaldar condutas. É impossível para os CRMs acompanhar todos os tratamentos ou drogas constantemente introduzidas ou retiradas da prática médica. Médicos e empresas de saúde devem oferecer aos seus pacientes atendimento baseado em evidências científicas, com competência, dedicação e empatia, assim como lidar com sucessos e fracassos e eventualmente responder por seus erros.

Sob o ponto de vista procedimental é necessário implementar maior transparência nos processos-consulta aceitos e conduzidos pelos conselhos: devem ser públicos os nomes, a qualificação e o voto de todos os conselheiros envolvidos na emissão de pareces-consulta. Os pareceres devem conter, ainda, os nomes e qualificação dos membros de comissões ou câmaras técnicas que assistiram ao relator e de pessoas externas ou sociedades médicas que deram alguma contribuição. Deve ser revelado a existência de eventuais conflitos de interesse existentes para cada uma dessas pessoas ou entidades. Além disso, há necessidade de atualização periódica dos Pareceres, no que se refere aos seus conteúdos e, quando for o caso, cancelar Pareceres ultrapassados.

4. Conclusão

Os CRMs e o CFM tratam como algo rotineiro as consultas que recebem. Algumas consultas que originam pareceres dos conselhos se prestam a oferecer segurança jurídica à prática de procedimentos novos, ainda não adotados pela maioria dos médicos e podem atender a interesses econômicos dos médicos que recomendam esses procedimentos. 

É importante atualizar e dar maior transparência ao procedimento de elaboração de pareceres. Os pareceres devem conter, além do nome do relator, o nome e qualificação de todos os membros que participaram do plenário, membros da câmara técnica que contribuíram para a elaboração do Parecer-consulta. O autor da consulta e as informações relativas a ele devem ser reveladas, assim como a existência de conflitos de interesse para todos que participaram na elaboração e aprovação dos pareceres. É recomendável que seja revelado se a aprovação plenária ocorreu por unanimidade e tornar públicos os votos, a favor, contra ou abstenção, de cada conselheiro.

Há necessidade de atualização periódica dos pareceres-consulta no que se refere aos seus conteúdos e cancelar pareceres que se tornaram obsoletos ou ultrapassados em decorrência de mudanças nos costumes, no conhecimento e na prática médica. Há que se rever a emissão de pareceres cujo objetivo seja a validação de condutas médicas. Foge às atribuições do CFM avaliar cada uma e todas as abordagens terapêuticas dos médicos brasileiros, nas diferentes condições de trabalho e recursos que estão disponíveis, em todas as especialidades médicas. 

5. Referências

Decreto-Lei 7.955/ 1945 – Institui o Conselho Federal de Medicina e os Conselhos Regionais

Lei nº 3.268/1957 – Consolida os CRMs e o CF que adquirem autonomia técnica, funcional e administrativa

Lei nº 9.782/1999 – Cria a Agência Nacional de Vigilância Sanitária

Lei nº 9.961/2000 – Cria a Agência Nacional de Saúde – ANS

Parecer CFM nº 1.459/1995 – Classifica como usuais algumas modalidades de cirurgia refrativa e como experimentais outras modalidades

Parecer CFM nº 15/2001 – altera o entendimento do CFM sobre quais cirurgias referidas no Parecer CFM nº 1.459/1995 são usuais e quais são experimentais

Parecer CFM nº 1.622/2001 – considera a fotoablação corneana por “excimer laser” como procedimento oftalmológico usual. Revoga a Resolução nº 1.459/1995

Parecer CFM n 21/2003 – Dispensa a obrigação de termo de consentimento para lasik

Parecer CREMEB nº 05/2009 – Sobre indicação de cirurgia refrativa para trabalhador

Parecer CFM nº 8/2019 – uso de 1 gota/noite de colírio de atropina 0,01% em crianças

Parecer CREMESP nº 22.538/2017 -comprova a eficácia científica do uso oftalmológico do colírio de atropina 0,01% para controle da progressão da miopia em crianças

Resolução CFM nº 2.070/2014 – sobre normas para emissão de pareceres

Resolução CFM nº 1.335/1989 – sobre normas para emissão de pareceres

Resolução CFM nº 1.450/1995 – sobre normas para emissão de pareceres

Resolução CFM nº 1.769/2005 – sobre normas para emissão de pareceres

Resolução CFM nº 1.892/2009 – sobre normas para emissão de pareceres

Freidson, E. Profissão Médica. Um estudo de sociologia do conhecimento aplicado. 2008; Editota Unesp, 451p

Kaplan RM; Frosch DL Decisio making in medicine and health care Annu. Rev Clin Psychol 2005; 1:525-556

Kesarwani,SS; Mumbai Group of Paedriatric Ophthalmologists and strabismologists Indian Journal of Ophthalmology 2019; 67:461-3

Walline JJ, Lindsley KB, Vedula SS, Coter SA, Mutti DO, Ng SM, Twelker JD Interventions to slow progression of myopia in children (Review). Cochrane Database of Systematic Reviews 2020, Issue 1. Art. No.:CD 004916 DOI: 10.1002/14651858.CD004916.pub4.

Tratamento da Retinose Pigmentar em Cuba

“Nunca na história passada, o charlatanismo médico foi um atividade comercial tão efervescente como atualmente”  ….   “é um paradoxo: o  crescimento simultâneo da ciência médica moderna no século 20, ao lado do crescimento da falta de senso da pseudo-ciência médica”

JH Young – The Medical Messiahs
Retinose Pigmentar

Retinose pigmentar é um grupo heterogêneo de doenças oculares genéticas que  acometem a retina, causam cegueira noturna, redução do campo de visão e podem levar à cegueira. Ocorre em todo o mundo, atinge homens e mulheres, é uma doença crônica que apresenta evolução variável entre os pacientes. Não existe tratamento capaz de alterar o curso da doença.

Por se tratar de doença que não dispõe de tratamento com eficácia comprovada, diversos tratamentos ineficazes foram promovidos ao longo dos séculos e vendidos para obter lucro. Alguns desses tratamentos, quando divulgados, foram recebidos com entusiasmo e promoveram verdadeiras peregrinações de pacientes. Em todos os casos, acabaram descartados devido à sua ineficácia, falta de fundamento e ausência de trabalhos científicos que comprovassem os alegados resultados.

Tratamento da Retinose Pigmentar em Cuba

Na década de 1990  difundiu-se no Brasil e em outros países, notícia sobre a existência de um tratamento para a retinose pigmentar desenvolvido em Cuba. Apesar da ausência de evidências científicas, este tratamento secreto e milagroso, atraiu muitos portadores da doença, em busca de tratamento da doença genética para a qual a oftalmologia mundial nada podia oferecer.

O isolamento de Cuba devido ao regime político totalitário e a ideia de que a medicina estaria avançada nesse pequeno País, ajudou a revestir de mistério o alegado tratamento, como que justificando o desconhecimento do resto de mundo. A ausência de publicações em revistas internacionais fez com que oftalmologistas brasileiros, embora desconhecendo em que consistia o secreto tratamento, se manifestassem no sentido da inexistência de tratamentos eficazes para a doença, seja em Cuba ou em qualquer outra parte do mundo.

A estratégia cubana para tratamento da retinose pigmentar consistiu em tratamento combinado multi-terapêutico através de quatro procedimentos aplicados aos candidatos em busca da alegada cura. Envolvia 3 semanas de hospitalização com custo de aproximadamente 10.000 dólares. Recomendava-se repetição de alguns procedimentos a cada seis meses, a um custo aproximado de 4.000 dólares (Duquette, 2010).

Os quatro procedimentos do tratamento cubano consistiam em:

1) procedimento cirúrgico supostamdente fundamentado em teoria vascular, ou cirurgia revitalizadora temporal, de transposição autóloga, pediculada, de gordura retro-orbitária para o espaço supra-coroideo (Molina – vídeo);

2) Ozonioterapia, aplicada diariamente durante 15 dias, com o equipamento Ozomed, por via retal mediante a introdução de uma sonda fina através do anus(Aguiar & Baéz, 2009). Segundo Aguiar e col. (2015), a ozonoterapia também pode ser realizada através de 10 aplicações de auto-hemoterapia. Neste caso, retira-se 200 ml de sangue do paciente e submete-se o sangue coletado ao tratamento com ozônio, no próprio frasco de coleta e, em seguida, se administra o sangue na veia do paciente;

3) Eletroterapia ou eletroestimulação, aplicada nas regiões cervical e plantar dos pacientes com o equipamento EQ-1604, com voltagem fixa de corrente sinusoidal de baixa frequência por um período de 10 minutos, durante 10 dias;

4) Magnetismo diretamente na região ocular, com o equipamento Geo-200, durante 20 minutos, diariamente por 10 dias (Espinosa e col., 2010)

A ozonioterapia, a eletroterapia e o magnetismo, segundo os proponentes, são técnicas de medicina natural,  terapia eficaz para complementar a reabilitação visual.  Alegam que, além de inócuos, são baratos e seguros para diferentes doenças infecciosas, inflamatórias, circulatórias e degenerativas, com capacidade para destruir bactérias, vírus e fungos. Os efeitos desse tratamento seriam  passageiros, tornando necessário repetir as aplicações com frequência pré-determinada, segundo critérios personalizados para cada paciente (Aguiar & Baéz, 2009; Espinosa e col, 2010).

O tratamento cubano não encontrou respaldo na literatura mundial e não foram publicados trabalhos que confirmassem a sua eficácia. Duas revisões sobre o tema (Duquette, 2010; Fishman, 2013) concluíram que o tratamento não apresenta relação com as causas da doença, provoca danos em alguns pacientes, não há comprovação de que tenha efeito, carece de validade e não deve ser recomendado. Essas revisões evidenciaram riscos de diversas complicações como estrabismo e infecções e mesmo piora da visão, além de danos psicológicos relacionados à falsa esperança ou à decepção cruel, além da perda financeira.

A notícia deste tratamento difundiu-se no Brasil e muitos pacientes ajuizaram ações para obrigar o Estado a arcar com esse tratamento não disponível no Brasil. O judiciário brasileiro deu guarida a grande número de demandas e condenou o Estado a custear viagem e tratamento para muitos pacientes, em um dos exemplos de judicialização da saúde envolvendo pseudociência.

O tratamento cubano da retinose pigmentar causou enormes prejuízos ao sistema de saúde pública brasileiro, com o custeio da viagem e tratamento de muitos brasileiros portadores de retinose pigmentar, impostas por sentenças judiciais em primeira instância e mesmo no STJ. Em 2011, o STJ deu provimento à demanda de pacientes e impôs ao Ministério da Saúde a obrigação de pagar  viagem e tratamento da retinose pigmentar em Cuba. Na ocasião, um dos ministros favorável a impor ao Estado Brasileiro o onus de  viagens e tratamento em Cuba, argumentou: “pelo que leio nos veículos de comunicação, o tratamento dessa doença, com êxito, está realmente em Cuba”, enquanto outro ministro afirmava “Eu sou muito determinado nessa questão de esperança” (Notícias STF, 13/4/2011).

Tratamento da Retinose Pigmentar no Brasil – Décadas de 1980-1990

No Brasil, já tivemos o nosso equivalente ao tratamento cubano da retinose pigmentar fundamentada em pseudociência. Trata-se da injeção de “fator de transferência” obtido do sangue de doadores, que ficou conhecida como “vacina para paralisar a progressão da retinose pigmentar” (Amorim e col., 2005; Rocha, 1987; Gonçalves, 2011), desenvolvida no Instituto Hilton Rocha (IHR) e que esteve disponível apenas neste local, durante vários anos na década de 1980 e 1990. Houve verdadeira peregrinação de portadores de retinose pigmentar oriundos de diferentes regiões do Brasil, que afluíam a este Instituto que, nessa ocasião, detinha grande prestígio nacional, para serem tratados com essa “vacina”.

Poucas são as referências a este tratamento, mas pode-se encontrar na internet o relato esporádico de pacientes que dizem ter recebido este tratamento. Segundo relatos de pacientes (Isabele AA, 2010; Yolanda V, 2010), os pacientes eram atendidos no IHR, onde se indicava repetir todos os anos exame de campo visual manual, retinografia de contraste e um exame de sangue no laboratório do próprio IHR para medir os “antígenos da retina”. Após os resultados,  era feita a indicação do uso da vacina, que era aplicada 3 dias da semana por 4 semanas, repetindo-se o tratamento em intervalos de 6 meses. Os exames e o tratamento eram cobrados dos pacientes.

O Instituto Hilton Rocha deixou de funcionar há mais de uma década  e esse  tratamento era oferecido apenas nessa Instituição, a exemplo do tratamento oferecido apenas em Cuba. O tratamento vendido no IHR consistia na injeção de “vacinas com fator de transferência”  preparadas com  material extraído do sangue de doadores. Não foi possível comprovar a eficácia desse tratamento e não foram publicados estudos sobre resultados e complicações. O tratamento foi abandonado por não ter sido comprovada qualquer eficácia e devido ao risco de transmissão de doenças como hepatite e AIDS, transmitidas através do uso de material extraído do sangue de doadores.

Os tratamentos oferecidos em Cuba e no Instituto Hilton Rocha exemplificam a promoção e venda de produtos ou tratamentos sabidamente não eficazes ou que não foram adequadamente testados.

Evita-se a palavra charlatanismo ao se referir à divulgação sensacionalista de práticas de cura que carecem de fundamento científico ou a exploração da credulidade pública, induzindo pacientes a acreditarem em tratamentos cujos benefícios não estão comprovados. Referir-se a alguém como charlatão pode gerar acusação de crime de calúnia, caso este indivíduo não tenha sido condenado em devido processo judicial. Charlatanismo é  crime previsto no Código Penal: inculcar ou anunciar cura por meio secreto ou infalível ou exercer o curandeirismo é infração passível de pena de detenção, além de multa. Entretanto, para receber a alcunha de charlatão há que se submeter a demorado processo judicial e é muito raro que isso ocorra, mesmo na existência de provas contundentes.

Tratamentos para  retinose pigmentar são exemplos de uso de  pseudociência, supervisionada e oferecida por médicos de prestígio. O respaldo de autoridades é  uma das estratégias para legitimar procedimentos não aprovados pela medicina e exemplifica a obtenção de lucro com tratamentos ineficazes .

As modalidades de tratamento da retinose pigmentar, cubana ou brasileira, podem ser classificadas como práticas não convencionais de tratamento médico, medicina alternativa ou complementar e representam uma das facetas do pluralismo médico. Este grupo heterogêneo de práticas dirigidas ao tratamento ou cura de doenças coexiste com a medicina tradicional que procura fundamentar as suas práticas em evidências científicas. Entre as práticas de cura alternativa estão: cura através de cristais, galvanismo, magnetismo, cura através da dieta ou suplementos nutricionais, homeopatia, cura pela mente, medicina étnica e numerosos outras modalidades de abordagem à doença ou ao sofrimento humano.

O avanço do conhecimento científico e o surgimento de métodos de diagnóstico e tratamento reconhecidamente eficazes não reduziu a atração do ser humano pelas práticas alternativas de cura, não fundamentadas em evidencias científicas. Pelo contrário, observa-se crescimento do mercado ligado às diferentes modalidades de medicina alternativa ou complementar. Estudos sociológicos das práticas de cura evidenciam que sempre existiram diversas correntes de pensamento sobre as abordagens à doença e ao sofrimento humano.

Portadores de doenças crônicas, particularmente que tendem a evoluir desfavoravelmente, com o atendimento oferecido pela medicina tradicional são particularmente atraídos e vulneráveis a tratamentos ineficazes. Notícias sobre opções de tratamento que ainda não foram adequadamente testados, o sensacionalismo e o desejo de obter lucro fácil fazem com que seja impossível o controle de diferentes abordagens que atraem candidatos a utilizá-las. A alcunha pejorativa de charlatanismo foi substituída por termos como pseudociência ou como abordagens não ortodoxas de tratamento de doenças, pluralismo médico, medicina alternativa ou complementar.

Referências

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Risk factors of blindness due to primary open angle glaucoma versus doubtful benefits of identifying patients at risk of glaucoma

Abstract

Main risk factors for going blind due to primary open angle glaucoma are late detection, elevated initial intraocular pressure, poor control of IOP , progression of the disease detected in follow-up visits, lack of compliance to prescribed treatment and social risk factors that includes patients that come from lower socioeconomic groups and often live in developing countries.

Risk factors for developing POAG are, among others, statistically high IOP, family history of POAG, old age and race. Risk factors for the development of glaucoma put millions of healthy patients in the label of glaucoma suspects. Nevertheless, having the diagnosis of early POAG or being a glaucoma suspect carries a very low risk of going blind due to POAG.

We discuss the paradox of medical practice directed to prevention and early detection of diseases versus medical decision based on disease outcomes, taking POAG as an example.

Introduction

Ambiguity and paradox characterize the two main roads of modern medicine: medical decision based on disease outcomes versus medical practice directed to the prevention and early detection of diseases.

The focus of scientific knowledge has shifted from care to risk assessment, making virtually all human beings run the risk of being labeled as sick when approaching doctors. Health expenditure grows driven mostly by over treatment and defensive medicine 1.

Discussion on this subject is frequently seen in medical literature but has received little attention in ophthalmology. Primary open angle glaucoma (POAG) is a good example of the mentioned paradox because the main risk factors that may lead to blindness are well known yet most efforts in clinical and epidemiologic research are directed to early diagnosis and treatment or to the identification of patients vulnerable to be labeled as glaucoma suspects. The fact that these patients are at a very low risk of visual loss is purposely bypassed. It should also be mentioned that most researches on glaucoma are based on surrogates.

The statement that glaucoma is a blinding disease and that it is one of the leading causes of blindness in the world is generally used as a first sentence in many papers on glaucoma. Degeneration of the macula comes first among the main recorded causes of certifications for blindness (around 60%), followed by glaucoma (10%) and diabetic retinopathy (6%)2 . Despite being so widely used, both words, glaucoma and blindness, are ill defined.

Glaucoma gathers several different diseases that may cause visual loss but have different physiopathology, treatment and prognosis. POAG and primary angle-closure glaucoma are the two most important types of glaucoma and differ widely in incidence in different regions of the world, as do their relevance as a cause of blindness. Most efforts in screening research, detection of early disease, identification of risk factors, new technologies to detect progression and development of new drugs are directed to POAG.

The word blindness, so often used in medical literature, may have different meanings 3. Bilateral visual acuity worse or equal to 0.1 is frequently used. It is also defined as visual field of less than 20 degrees, even with a 20/20 visual acuity 4, 5 . In the mind of those who hear the word, doctors of layman alike, it is immediately understood as complete darkness or no light perception in both eyes. Registered bilateral blindness in glaucoma patients often does not have glaucoma as the only or the main cause of blindness. Other associated diseases like cataract or macular disease being the reason of low visual acuity 4.

We discuss the importance of distinguishing risk factors for progression to blindness due to POAG from risk factors of developing glaucoma.

Risk factors of blindness due to POAG

Despite the improvement of diagnostic and treatment methods, glaucoma still remains an important cause of blindness worldwide. Despite this truth, the risk of going blind from POAG in treated patients is relatively small, unless one or more of the risk factors for progression to blindness are present 6, 7, 8 . These risk factors for going blind are most critical in those patients with POAG diagnosed with high IOP and are:

  • Advanced stage of glaucoma at diagnosis or late detection, i.e., severe field loss in at least one eye in newly diagnosed patients 6, 8, 9;
  • Elevated initial IOP 5, 8;
  • Poor control of IOP or fluctuation of IOP detected in follow-up visits 8 ;
  • Progression of visual field loss, increase in optic disc cup, disc haemorrhages in follow-up visits, which may allow doctors to classify patients as slow and fast progressors; fast progressors are at increased risk of going blind 10;
  • Lack of compliance to prescribed treatment 6. Many cases of no compliance have in its root the fact that medical therapy for glaucoma involves potentially lifelong adherence to therapies that may be expensive, difficult to obtain in poor or rural areas, and often have annoying collateral effects 11.
  • Social risk factors, which includes being born and living in developing countries; patients from lower socioeconomic groups and patients less educated are more likely to have late presentation of glaucoma and to be non-compliers 6, 9.

The identification of patients that run an increased risk of progressing to visual loss is very important so that a more aggressive approach on clinical or surgical treatment may be taken.

Risk factors for the development of glaucoma, such as elevated IOP with normal optic disc and normal visual fields, family history of glaucoma, race, corneal thickness and myopia were not found to be significant on visual outcome of glaucoma patients 5, 8.

Risk factors for the development of glaucoma

The idea that the early treatment of patients with glaucoma decreases the probability of going blind is usually accepted as true 12. This unproven idea prompted the design of hundreds of researches and the publication of a huge number of peer reviewed scientific papers. Several characteristics that are more common in patients that eventually develop POAG were identified and are considered risk factors for the development of glaucoma. These risk factors put millions of healthy patients in the medical label of “glaucoma suspects” or “ocular hypertension”. Industry is constantly introducing new technologies to be used in those glaucoma suspects 11. The plethora of exams validates the prescription of medication to patients that probably could postpone it or never need it and that are at a very low risk of suffering any kind of visual loss related to POAG.

Some of the main accepted risk factors for the development of glaucoma are: statistically high IOP (generally 20 to 24 mmHg), family history of glaucoma, large optic disc, large cup, thin central corneal thickness, race, high myopia and old age. Despite being one of the most important risk factors for development of glaucoma, ocular hypertension per se should not be considered a clinical entity 13.

The decision to treat any patient lies upon his doctor. It is generally accepted that patients found to have anatomic and functional loss of POAG should be treated. One may consider postponing treatment in those patients with early disease and low life expectancy 14. It should always be kept in mind that POAG is a slow progressing disease and that the risk of visual loss is low unless those risk factors of progressing to blindness are present.

There is some controversy on management and prescription of drugs to those patients that do not have anatomic and function loss of POAG but carry one or more of those risk factors for the development of glaucoma. The cost, inconvenience and side effects of using eye drops, not to say the psychological burden of using those drugs and being labeled as glaucomatous, is often underweighted. So, do the cost and inconvenience of performing and repeating periodically those countless exams, some of them of unproven benefits 11. The development of early POAG damage in non-treated suspect patients carries a low risk of blindness or interference in the quality of life, although this risk tends to be overestimated.

Use of surrogates in glaucoma research

Clinical trials are designed to measure disease outcomes. Endpoint outcomes correspond to main features or consequences of the disease and may be classified as primary and secondary. Taking POAG as an example, primary endpoint outcomes would be blindness or severe visual loss in one or both eyes and poor quality of life due to visual impairment. Secondary endpoint outcomes could be, for example, worsening of visual field defects or widening of optic disc cup.

Surrogate endpoints can be described as some outcome of a therapeutic intervention that are not themselves any direct measure of either benefit or harm. They are used because they may be easily and cheaply measured and may reduce the duration of clinical trials, further reducing costs. They must have been objectively validated and must be linked to the development and progression of the disease 15.

The use of IOP as a surrogate variable endpoint in glaucoma research has been long accepted by United States Food and Drug Administration (FDA) 16, due to its importance as a risk factor, both for the development of glaucoma and to progression of the disease. It is non-invasive, cheap and easy to measure. It is so embedded in ophthalmic publications that usually it is not even mentioned that a surrogate variable is being used to test different modalities of treatment for glaucoma 17. There is a shortage of papers that rely on the efficacy of prevention or of different treatments on the meaningful outcome, i.e., visual loss and poor quality of life. Treating IOP is generally confused with the concept of treating the disease, even in those healthy patients whose prescription was based on the label of glaucoma and the supposed risk of developing the disease. Most ophthalmologists do not grasp the concept that reducing IOP is a surrogate endpoint in glaucoma treatment, but not itself a measure of structural or functional optic neuropathy 10. The fact that high IOP is both a risk factor for developing POAG and a risk factor for visual loss and that it is also a surrogate and not a primary or secondary outcome of the disease is confusing to many ophthalmologists.

Although the level of IOP is one of the most consistent risk factors for the presence of POAG, the concept that statistically raised IOP is a defining characteristic for glaucoma has been almost universally discarded. POAG is an optic neuropathy associated with characteristic structural damage to the optic disc and associated visual dysfunction 18. The term glaucoma should be reserved for people with established, visually significant, end organ damage. Stabilization or control of POAG can’t be measured just by reduction of IOP, but must be evaluated by other means like visual fields and optic disc examinations.

FDA is waiting for the establishment of definition of glaucoma progression and consensus about structural-functional relationships that characterize early, moderate and late stages of disease 10, in order to accept the use of new technologies as surrogates in POAG clinical researches.

 

 

Screening for POAG

No randomized, controlled trials of population screening for POAG have been reported. The US preventive service task force concluded that the benefit of delaying progression of visual field loss on vision-related function in patients with early POAG is unclear and that there is no proof that screening and early recognition and treatment of glaucoma in asymptomatic patients are effective in improving vision specific outcomes and health-related quality of life 19.

Screening to detect all individuals with glaucomatous optic nerve damage, either by structural or functional testing, remains an unsolved challenge. One approach would be to concentrate on the detection of more advanced cases or on opportunistic screening of people at risk, like older Africans 20. The cost-benefit effectiveness for glaucoma screening in the general population is not favorable because too many normal individual are referred for evaluation and over 50% of glaucomatous patients are missed. Even new methods, like evaluation of optic disc head or retinal nerve fiber layer do not satisfy many of the proposed criteria for an effective screening test 21, 22.

There is a paradox related to the proven inefficacy of different methods of testing structural and functional parameters for POAG screening in the general population and the acceptance of routinely performing these very same tests for screening in office patients. The reasoning is that every effort should be done to identify early glaucomatous damage, even with the unproven benefit of doing so. General acceptance of this clinical practice has been shaped along years and years of undue influence of conflicting interests on researches, consensus panels, congresses and so on. It is a good example of indiscriminate use of technologies that might provide high value for carefully selected patients, to a much larger cohort of patients 23.

Discussion

Most glaucoma in the world remains undiagnosed, screening paradigms are neither useful nor practical, and access to therapy is severely limited 11. POAG is a serious and irreversible disease and may cause severe visual loss, yet it is a slowly progressive disease. Contrary to clinical perceptions, glaucoma frequently progresses so slowly that most patients die before developing blindness, even in one eye 24. Life expectancy should be taken in consideration before prescribing a lifelong treatment 14. Careful education concerning the risk of loss of visual function and shared medical-patient decision might be a more effective approach to treating patients with high IOP and other risk factors of developing POAG 14.

Special attention should be given to the presence of risk factors for progression to blindness in glaucoma patients and to medical decision based on disease outcomes. Every effort should be made to avoid the waste of resources, the use of technologies of unproven value, the undue labeling of healthy patients as “glaucoma suspects” and unnecessary prescription of eye drops to patients at low risk of visual loss 24.

Guideline panels often include conflicted experts and care should be taken on the adoption of the recommendations. Main reasons to be cautious with guidelines are the difficulty of finding experts that do not have financial ties with pharmaceutical or equipment industry and the even more difficult task of finding authorities that are free from reputational conflicts of interest. Reputational conflicts of interest refers to researchers that have already declared view on a question been considered or may be interested in validating their own clinical conducts 25, 26, 27.

Industry takes profit from medical practice based on the idea that treating healthy patients supposedly at risk of POAG is cost-effective in preventing blindness. Doctors often carry conflicts of interests, even when they believe they are acting in the best interest of patients, and feel free to recommend a bunch of unnecessary exams at frequent intervals, not to say to recommend frequent visits to office. Those healthy patients that receive the label of glaucoma suspects stand the burden of being labeled as sick, of living frightened by the ghost of blindness and of using for their lifetime drugs that may be expensive and have significant side effects.

Resources may come from private health insurance companies or from public health system. Even then, it is more appropriate to say that the burden of costs lies on the society. Resources that are wrongly spent could have been used in a more effective way, like medical assistance, education, fighting poverty or elsewhere. Prosperity in some parts of the world, especially in the last few decades, has blinded doctors, patients and politicians alike. It seems that everyone has forgotten that resources are scarce on earth, both in developed or underdeveloped societies. It is time to make a better use of them. For sure more cases of blindness and other disabilities would be prevented.

References

1 -Jamoulle, M Quaternary prevention: First do not harm MJ.P4 final draft. Brazilia, June 24,2011

2 – Bunce, C; Wormald, R Leading causes of certification for blindness and partial sight in England&Wales BMC public health 2006; 6:58

3 -MARMOR, M.F. Bling leading the blind. Survey of Ophthalmology 2012; 54: 387

4 – Blomdahl, S.; Calissendorff, BM; Tengroth, B; Wallin, O Blindness in glaucoma patients. Acta Ophthalmol Scand, 1997; 75: 589-91

5 – Kooner, KS; AlBdoor, M; Cho, BJ; Adams-Huet, B Risk factors for progression to blindness in high tension primary open angle glaucoma: comparison of blind and non blind subjects. Clin. Ophthalmol 2008; 2:757-762

6 -Chen, PP Risk and risk factors for blindness from glaucoma Curr Opin Ophthalmol 2004; 15: 107-11

7 – Ang, GS; Eke, T Lifetime visual prognosis for patients with primary open-glaucoma Eye 2007; 21 604-608

8 – Forsman, E; Kivelä, T; Vesti, E Lifetime visual disability in open-angle glaucoma and ocular hypertension J. Glaucoma 2007; 16: 313-319

9 – Cogate, P; Deshpande, R; Chelerkar, V; Deshpande, S; Deshpande, M Is glaucoma blindness a disease of peprivation and ignorance? A case-control study for late presentation of glaucoma in India Indian J Ophthalmol 2011; 59: 29-35

10 – Weinreb, RN; Kaufman, PL Glaucoma research community and FDA look to the future, II: NEI/FDA Glaucoma clinical trial design and endpoints symposium: Measures of structural change and visual function IOVS 2001; 52:7842-7851

11 – Lieberman, MF; Congdon, NG; Mingguang, HE The value of tests in the diagnosis and management of glaucoma Am. J. Ophthalmol 2011; 152:889-899

12 – Michelson, G; Groh, MJ Screening models for glaucoma Curr Opin Ophthalmol 2001; 12: 105-11

13 – Sommer, A Ocular hypertension and normal-tension glaucoma. Time for banishment and burial. Arc. Ophthalmol 2011; 129: 785-786

14 -Kymes, SM; Plotzke, MR; Kass, MA; Boland, MV; Gordon, MO Effect of patients’s life expectancy on the cost-effectiveness of treatment for ocular hypertension Arch Ophthalmol 2010; 128:613-618

15 – MTRAC Newsletter issue 11 June 2006. www.mtrac.co.uk

16 – Katz, R. Biomarkers and surrogate markers: An FDA Perspective NeuroRx 2004, 1 189-195

17 – Hillis, A; Seigel, D Surrogate endpoints in clinical trials: ophthalmologic disorders Statistics in medicine 1989; 8: 427-430

18 – Foster, PJ; Buhrmann, R; Quigley, HA; Johnson, GJ The definition and classification of glaucoma in prevalence surveys Brit J Ophthalmol 2002;86: 238-242

19 – Fleming, C; Whitlock, EP; Beil, T; Smit, B; Harris, RP Screening for primary open-angle glaucoma in the primary care setting: an update for the US Preventive Services Task Force Ann. Fam. Med. 2005; 3:167-170

20 – Cook, C; Foster, P Epidemiology of glaucoma: what’s new? Can J Ophthalmol 2012, 47: 223-226

21 – Burr, JM; Mowatt, G; Hernández, R et al. The clinical effectiveness and cost-effectiveness of screening for open angle glaucoma: a systematic review and economic evaluation. Health Technol Assess; 2007: 11:iii-iv; ix-x, 1-190

22 – Maul, EA; Jampel, HD Glaucoma screening in the real world (Editorial) Ophthalmology 2010; 117: 1665-1666

23 – Fuchs V The doctor’s dilemma – what is “appropriate” care? New England J Med 2011; 365: 585-587

24 – Robin, AL; Frick, KD; Katz, J; Budenz, D; Tielsch, JM The ocular hypertension treatment study: Intraocular pressure lowering prevents the development of glaucoma, but does that mean we should treat before the onset of disease? Arch. Ophthalmol 2004; 122: 376-378

25 – Nuckols, TK, Lim, Y-W; Wynn, BO et al. Rigorous development does not ensure that guidelines are acceptable to a panel of knowledgeable providers   J Gen Intern Med 2007; 23: 37-44

26 – Sniderman, AD; Furberg, CD Why guideline-making requires reform JAMA 2009; 301: 429-431

27 – Moynihan, R A new deal on disease definition. How do we replace the old panels of conflicted experts? BMJ 2011;342:d2548

Foto – Bruegel – Louvre – The cripples (1568)

Particularidades do glaucoma: doença não diagnosticada e excesso de tratamento

Glaucoma primário de ângulo aberto é uma doença que possui duas características opostas e conflitantes:

  • Aproximadamente 50% dos portadores de glaucoma permanecem sem diagnóstico;
  • Aproximadamente 50% dos pacientes que estão em tratamento de glaucoma não são portadores da doença (The unique problem of glaucoma: under-diagnosis and over-treatment – MASKATI e col. 2011).

O tratamento de glaucoma em pessoas que não são portadoras da doença decorre principalmente dos seguintes fatores:

  • Conceito arraigado de que a elevação da pressão ocular, entre 18 e 24 mmHg, apesar de disco ótico e campos visuais normais, por si só conduz ao diagnóstico de glaucoma;
  • Influência das indústrias sobre os médicos, incentivando a prescrição de tratamento em “suspeitos de glaucoma”, para “prevenção da cegueira” e incentivando também a realização de exames complementares com equipamentos sofisticados;
  • Valorização excessiva de exames complementares, que proliferam com o suposto objetivo de identificar pacientes sob-risco de desenvolver glaucoma;
  • Receio de cegueira, por pacientes e médicos.

“In a world where it has become acceptable to treat risk factors, however weak, as diseases in their own right, we must learn to resist over diagnosis” (HEATH, 2013)

Os efeitos indesejáveis de tratamento excessivo são:

  • Pessoas normais passam a viver sob o fantasma de serem portadores de uma doença que pode levar à cegueira;
  • Os efeitos colaterais de colírios usados para tratamento do glaucoma podem afetar a qualidade de vida das pessoas;
  • O custo dos medicamentos pode ser elevado;
  • Pacientes passam a realizar, periodicamente, exames complementares com gastos desnecessários, custeados pelos pacientes ou pelo sistema de saúde pública ou complementar.

A porcentagem de portadores de glaucoma que permanecem sem diagnóstico e, portanto, sem tratamento, é elevada pelos seguintes motivos:

  • Conceito de que a presença de elevação da pressão ocular é fundamental para suspeitar ou diagnosticar o glaucoma – aproximadamente 1/3 dos pacientes manifestam a doença com pressões intraoculares na faixa da normalidade ou levemente elevadas;
  • Evolução lenta e assintomática da doença – quando os pacientes identificam piora da visão devido ao glaucoma, a doença geralmente está avançada;
  • Dificuldade de acesso ao atendimento por oftalmologistas, particularmente para pessoas com idade avançada nas quais a incidência de glaucoma é mais elevada.

Alguns estudos relatam que uma porcentagem elevada de pessoas registradas com cegueira decorrente do glaucoma já apresentava doença avançada quando o diagnóstico de glaucoma é realizado (KOTECHA e col., 2012). Em um estudo (WONG e col. 2004), mais de 50% dos pacientes sem diagnóstico prévio apresentavam pressão intraocular inferior a 21 mmHg e haviam se consultado com um especialista em oftalmologia nos 12 meses anteriores. Além disso, 100% apresentavam idade acima de 50 anos.

Há necessidade de iniciativas para despertar a consciência da população e de órgãos ligados à saúde pública sobre essas particularidades do glaucoma: glaucoma que permanece sem diagnóstico  e tratamento de pessoas que não são portadoras da doença.

Apresentamos a seguir os campos visuais de dois pacientes atendidos recentemente, com 86 e 92 anos de idade, que apresentavam glaucoma avançado e que não haviam recebido o diagnóstico da doença, apesar de estarem em acompanhamento por especialistas, inclusive tendo realizado cirurgia de catarata nos dois olhos. A pressão intraocular era 18 mmHg em um dos olhos e 24 mmHg no outro no primeiro paciente e 18 mmHg nos dois olhos do segundo.

Leia também :

Risk Factors Of Blindness Due To Primary Open Angle Glaucoma Versus Doubtful Benefits Of Identifying Patients At Risk Of Glaucoma

Cegueira No Glaucoma – I

Referências
  1. Maskati, Q;Nayak, B; Parikh, R. The unique problem of glaucoma: under-diagnosis and over-treatmentIndian Journal od Ophthalmology, 59.9 Jan 2011. Editorial. GALE|A245182456
  2. Kotecha, A; Fernandes, S.; Bunce, C; Franks, WA Avoidable sight loss from glaucoma: is it unavoidable? Br. J. Ophthalmol 2012, 96: 816-820
  3. Wong, EYH; KEEFFE, JE; RAIT, JL; VU, HTV; LE, A; McCARTHY, C; TAYLOR, HR Detection of undiagnosed Glaucoma by Eye Health Professionals Ophthalmology 2004; 111:1508-1514
  4. Heath, I Overdiagnosis: when good intentions meet vested interests. BMJ 2013; 347:f6361

Cegueira, Visão Subnormal, Deficiência visual e Deficiente visual

Neste texto apresenta-se o significado das palavras cegueira, visão subnormal, deficiência visual e deficiente visual, no sentido médico e jurídico.

Cegueira e cegueira legal

Entende-se por cegueira, tanto a perda total da visão quanto a perda parcial, segundo critérios bem definidos. Oftalmologistas evitam utilizar a palavra cegueira frente a pacientes e suas famílias, exceto nos casos de cegueira total. Na maioria das vezes, utiliza-se palavras como deficiência visual leve, moderada ou severa.

Em 1973, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou o relatório técnico nº 518 sobre Prevenção da Cegueira, no qual propôs a padronização da definição de deficiência visual e cegueira em âmbito mundial, com o objetivo de facilitar a compilação de dados estatísticos internacionais. Sugeriu que todos os Países adotassem a definição proposta e recomendou que Países que adotassem outras definições deveriam ajustar suas estatísticas à prática internacional.

Cegueira passou a ser definida como deficiência visual severa em ambos os olhos. O Brasil adotou a definição proposta pela OMS em suas leis dirigidas a facilitar a inserção de deficientes visuais na sociedade, em serviços de reabilitação e no mercado de trabalho, além de oferecer outros benefícios sociais como isenção de impostos e aposentadorias especiais. O portador de cegueira em ambos os olhos é classificado como deficiente físico por deficiência visual.

Segundo a definição adotada internacionalmente, apenas pessoas portadoras de cegueira nos dois olhos são considerados deficientes visuais. A cegueira em apenas um olho, a chamada visão monocular, não se enquadra no conceito de cegueira. Portadores de deficiência visual moderada ou severa em um dos olhos, não se consideram cegos e ficariam indignados, discriminados e mesmo agredidos moralmente se “classificados” como cegos.

O Brasil e outros países possuem legislação específica, com o objetivo de facilitar a inserção de deficientes visuais na sociedade, em serviços de reabilitação e no mercado de trabalho, além de obter outros benefícios sociais como isenção de impostos, aposentadorias especiais etc.

Neste sentido houve necessidade de definir parâmetros para classificar quais portadores de deficiência visual bilateral severa poderiam se habilitar aos benefícios da Lei. A portaria nº 3.128/2008, em seu art. 1º define quem pode ser classificado como deficiente visual:

Art. 1º

  • 1º Considera-se pessoa com deficiência visual aquela que apresenta baixa visão ou cegueira.
  • 2º Considera-se baixa visão ou visão subnormal, quando o valor da acuidade visual corrigida no melhor olho é menor do que 0,3 e maior ou igual a 0,05 ou seu campo visual é menor do que 20º no melhor olho, com a melhor correção óptica (categorias 1 e 2 de graus de comprometimento visual do CID 10) e considera-se cegueira quando estes valores encontram-se abaixo de 0,05 ou o campo visual menor do que 10º (categorias 3,4 e 5 do CID 10).

No entendimento médico,  “melhor olho” é entendido como aquele que tem melhor função, melhor visão considerando-se os dois olhos de cada pessoa. Se determinada pessoa perdeu um dos olhos, o olho remanescente é “seu melhor olho”; se perdeu total ou parcialmente a visão de um dos olhos, o olho que se mantém com boa visão é “seu melhor olho”; se os dois olhos apresentam baixa visão, aquele que apresenta visão menos prejudicada é “seu melhor olho”.

Utiliza-se o termo cegueira legal para indicar os portadores de deficiência visual severa (categorias 3, 4 e 5 do CID 10) nos termos do § 2º do art.1º da portaria 3.128/2008: considera-se cegueira quando valor da acuidade visual corrigida no melhor olho encontra-se abaixo de 0,05 ou o campo visual menor do que 10º . Este conceito de cegueira legal é utilizado em estatísticas oficiais sobre registro de pessoas cegas e também em trabalhos científicos na literatura oftalmológica.

Visão subnormal

O termo visão subnormal é utilizado para descrever pessoas com deficiência visual leve ou moderada nos dois olhos: Considera-se visão subnormal, quando a acuidade visual corrigida no melhor olho é menor do que 0,3 e maior ou igual a 0,05 ou seu campo visual é menor do que 20º no melhor olho, com a melhor correção óptica (categorias 1 e 2 de comprometimento visual do CID 10).

Deficiência visual

A palavra deficiência visual refere-se à condição de qualquer pessoa que apresente cegueira ou visão subnormal, mas também à deficiência de visão cromática, estrabismo, diplopia e outras condições. O termo visão monocular é utilizado para portadores cegueira legal em um dos olhos com visão normal no outro (CID H54.4). Estes deficientes visuais não se enquadram na definição de cegueira legal definido na portaria 3.128/2008.

O ser humano adapta-se bem à perda da visão de um dos olhos. Mantém-se visão de profundidade adequada para a maioria das atividades da vida diária, inclusive direção de veículos automotores. A legislação para obtenção de carteira nacional de habilitação permite que indivíduos com visão monocular obtenham CNH categorias A e B. A visão normal em apenas um olho é adequada para locomoção, leitura, estudo, competição em ambiente de trabalho. A perda da capacidade laboral não está presente nos casos da pessoa monocular, para a maioria das profissões. Qualquer deficiência visual implica em dificuldades e incômodos às pessoas acometidas. Entretanto, apenas os portadores de deficiência visual bilateral severa podem ser enquadrados na definição de cegueira legal, passando a usufruir de benefícios sociais previstos na legislação pertinente.

Deficiente visual

Deficiente visual é qualquer pessoa com cegueira legal, para fins de registro em estatísticas de saúde pública eque pode se utilizar dos benefícios da Lei reservados a deficientes físicos.

Em 2009, no Brasil, a súmula 377 do STJ alterou o conceito de cegueira legal para fins de cotas para deficientes visuais em concursos públicos ao incluir os portadores de visão monocular como deficientes visuais.

Leia também:

Lei de Cotas e Visão Monocular

 

Definição de classes de comprometimento visual e Classificação Internacional de Doenças(CID 10):

H54 Cegueira e visão subnormal ( Nota : Para a definição de classes de comprometimento visual, usar a Tabela a seguir)
H54.0 Cegueira, ambos os olhos – Classes de comprometimento visual 3, 4 e 5 em ambos os olhos
H54.1 Cegueira em um olho e visão subnormal em outro -Classes de comprometimento visual 3, 4 e 5 em um olho, com categorias 1 ou 2 no outro olho
H54.2 Visão subnormal de ambos os olhos – Classes de comprometimento visual 1 ou 2 em ambos os olhos
H54.3 Perda não qualificada da visão em ambos os olhos – Classes de comprometimento visual 9 em ambos os olhos
H54.4 Cegueira em um olho – Classes de comprometimento visual 3, 4 ou 5 em um olho [visão normal no outro olho]
H54.5 Visão subnormal em um olho – Classes de comprometimento da visão 1 ou 2 em um olho [visão normal do outro olho]

Nota:
O quadro abaixo apresenta a classificação da gravidade do comprometimento visual que foi recomendado pelo Grupo de Estudos sobre a Prevenção da Cegueira da OMS (WHO Technical Report Series nº 518, 1973)
O termo “visão subnormal” encontrado na categoria H54 compreende os graus 1 e 2 do quadro abaixo; o termo “cegueira” os graus 3, 4 e 5. Caso a extensão do campo visual venha a ser levada em consideração, os pacientes cujo campo visual se encontre entre 5° e 10° em torno do ponto central de fixação devem ser colocados no grau 3 e os pacientes com campo até 5° em torno do ponto central de fixação serão colocados na categoria 4, mesmo se a acuidade central não estiver comprometida.

Graus de comprometimento visual Acuidade visual com a melhor correção visual possível

Visão do melhor olho inferior a                    Visão do pior olho igual ou melhor que

 1                                                                               20/70 ou 0,30                                              20/200 ou 0,10

 2                                                                               20/200 ou 0,10                                            20/400 ou 0,05

 3                                                                               20/400  ou  0,05                                          20/1200 ou conta dedos a 1m

 4                                                                               20/1.000  ou  0,02                                       percepção de luz

 5                                                                   Ausência de percepção de luz

 

 

Referências:
Fonda, G. Management of Low Vision. Thieme-Stratton, New York, 1981, 248 p.
Portaria nº 3.128/2008 (Regulamenta ações de atenção à pessoa com deficiência visual)
WHO Technical Report Series nº 518, 1973

Sociedades médicas de especialidades e suas relações com a Indústria

Conflitos de interesses permeiam as relações entre médicos, sociedades médicas de especialidades, instituições de ensino e pesquisa e as indústrias farmacêutica e de equipamentos médicos.

O interesse pelo estudo dessas relações que envolvem conflitos de interesse aumentou recentemente. Observa-se crescimento do número de publicações sobre o tema a partir de 2000, com tendência à condenação deste relacionamento e recomendações no sentido de limitá-lo.

No Brasil, o código de ética médica de 2009 aborda a questão. Os artigos 20, 104, 109 e 116 determinam que é vedado ao médico participar de anúncios de empresas comerciais, qualquer que seja sua natureza; deixar de manter independência profissional e científica em relação a financiadores de pesquisa ou satisfazendo interesse comercial ou obtendo vantagens pessoais. O médico deve, também, declarar relações com indústrias que possam configurar conflito de interesse, ainda que potencial 5 .

A ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária publicou em 12/2008 resolução que dispõe sobre a propaganda, publicidade, informação e outras práticas cujo objetivo seja a divulgação ou promoção comercial de medicamentos. Esta resolução mostra-se sintonizada com as idéias sobre o assunto recentemente publicadas na literatura médica. O art. 7°-V proibe, na propaganda ou publicidade de medicamentos, incluir marcas nominativas, figurativas ou mistas de associações e/ou sociedades médicas, associações que representem os interesses dos consumidores ou dos profissionais de saúde e/ou selos de certificação de qualidade. O item VIII veda fazer propaganda ou publicidade de medicamentos e/ou empresas em qualquer parte do bloco de receituários médicos 1 .

A oftalmologia brasileira mantém-se relativamente alheia à influência da indústria no Conselho Brasileiro de Oftalmologia e nas diversas sociedades de áreas específicas da oftalmologia. A seguir apresenta-se dois exemplos.

O Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), órgão máximo da oftalmologia brasileira, mantém vínculos estreitos com a indústria de medicamentos, equipamentos e lentes, que financiam muitas de suas atividades. O CBO é uma sociedade civil sem fins lucrativos constituída em 1941. O CBO é o departamento de oftalmologia da Associação Médica Brasileira (AMB), e funciona como uma associação científica e cultural de médicos oftalmologistas que defende os interesses da oftalmologia, fiscaliza, concede títulos de especialista, promove congressos, etc. Edita os Arquivos Brasileiros de Oftalmologia, revista de elevado prestígio científico. Várias sociedades oftalmológicas são filiadas ao CBO, podendo-se citar a Sociedade Brasileira de Catarata e Implantes Intra-oculares, Sociedade Brasileira de Cirurgia Refrativa, Sociedade Brasileira de Glaucoma, Sociedade Brasileira de Retina e Vítreo, entre outra

Na página da internet do CBO, assim como em material distribuído aos oftalmologistas do Brasil, como nos Relatórios de Gestão, a cada biênio, calendários, etc, a logomarca do CBO aparece ao lado da logomarca dos principais financiadores que, carinhosamente, são chamados de patronos (patrono = defensor, protetor, que financia; na Roma antiga, pessoa livre a quem estavam vinculados escravos – Houaiss  8).

No  “Relatório de Gestão 2007-2009” do CBO,onde são relatadas as atividades do biênio como “programas de formação e educação continuada“, “congressos“, “comunicação“, “projeção internacional“, “interface com poderes públicos“, “interface com empresas e entidades6 , páginas inteiras  estão dedicadas à promoção de algumas indústrias farmacêuticas, fabricantes de equipamentos, lentes de óculos e lentes de contato. O avental com o emblema do CBO é apresentado com a incorporação das logomarcas destes “patronos” (Figura 1). O relatório não presenta nenhuma informação sobre quantias recebidas pelo CBO desses “patronos”, assim como informações sobre outras formas de patrocínio, jantares, passagens, diárias de hotéis, inscrições em congressos, brindes, etc, oferecidos a funcionários ou membros da administração do CBO.

cbo1 - sociedades médicas

Figura 1 : Destaque do avental do CBO apresentado nas páginas 10 e 47 do relatório de gestão 2007-2009. (turvação da logomarca dos patronos foi realizada por nós, na imagem).

Outro exemplo refere-se a atividades promovidas pela Sociedade Brasileira de Glaucoma . O 3º Consenso Brasileiro sobre Glaucoma Primário de Ângulo Aberto, realizado em 2009,  reuniu 69 relatores convidados e deu origem a uma publicação 20. Nesta publicação consta o patrocínio de determinado laboratório que produz colírios usados para tratamento do glaucoma e consta agradecimento a este laboratório,  que assegurou os recursos logísticos necessários para que fossem reunidos em São Paulo “glaumatólogos de todos os principais quadrantes do país”. Destaca-se o fato de que não são informados quaisquer conflitos de interesse seja por participantes, seja pela própria Sociedade Médica.

Juramento dos médicos e das indústrias

Médicos assumem o compromisso de agirem na defesa dos melhores interesses dos pacientes, assim como da sociedade como um todo. O exercício da medicina é essencialmente uma atividade social. As associações médicas de especialidades ou associações médicas em geral, devem ser construídas em fundamentos éticos adequados baseados nessas mesmas premissas 9,13 .

As indústrias farmacêutica e de equipamentos ou produtos ligados à atividade profissional do médico possuem o compromisso de maximizar o capital e gerar lucro para seus acionistas. As indústrias não estão obrigadas moralmente a agirem no maior interesse dos pacientes ou coletivamente no melhor interesse da sociedade 9 .

A existência de um conflito de interesses entre a atividade médica e as indústrias é ínerente aos seus diferentes objetivos.

Brindes, presentes, motivações

A indústria farmacêutica dedica esforço considerável para criar um ambiente de relacionamento desde o início, com os médicos jovens durante a residência médica. Presentes, brindes, jantares, inscrições em simpósios e congressos são recebidos pelos residentes como um reconhecimento pelo sacrifício em horas de estudo e trabalho. O propagandista se coloca como um “amigo” do residente disposto a ajudá-lo e a transmitir informações e trazer novidades. A indústria desenvolve um relacionamento estreito com os médicos que prescrevem seus produtos e o resultado deste trabalho é verificado em pesquisas de prescrição realizadas junto às farmácias 3 .

A disponibilidade de amostras-grátis é um forte indutor para médicos prescreverem e pacientes utilizarem medicamentos mais caros, mas não necessariamente mais eficazes 2.

As motivações individuais de médicos frente ao relacionamento com a indústria são bem conhecidas: 1) titulação, por convites e participações em cursos, congressos, grupos de consenso; 2) reconhecimento ou satisfação pessoal de ser considerado uma autoridade em uma área do conhecimento; 3) sensação de pertencer a um grupo seleto de profissionais prestigiados; 4) dinheiro ou outros benefícios. Do lado das indústrias, os bilhões de dólares investidos anualmente neste relacionamento apresentam um retorno que é monitorado e serve de motivação para manter e zelar pela sua perpetuação 12 . Em 2006 estima-se que entre 27,7 e 57,5 bilhões de dólares foram gastos com a promoção de medicamentos junto aos médicos 14 .

A declaração de possíveis conflitos de interesses por parte do médico, seja frente ao paciente, seja em trabalhos científicos, apresentações ou palestras, tem sido questionada quanto à sua eficácia. A possível ineficácia da declaração de conflito de interesses decorre de: 1) indivíduos diferem naquilo que consideram como fonte potencial de conflito de interesse; 2) As declarações de interesses conflitantes geralmente não são passíveis de verificação; 3) há uma falta de clareza relacionada ao objetivo final da declaração; 4) não há dados sistemáticos mostrando como os indivíduos processam as informações, sejam aqueles que declaram a existência de conflito de interesse ou os que recebem a informação; 5) as declarações de conflito podem ser usados para “higienizar” uma situação problemática, sugerindo que a declaração da existência de conflito soluciona a questão e o indivíduo pode agir como se nada existisse; 6) estudos de comportamento humano mostram que os motivos individuais geralmente são inconscientes e que o comportamento frequentemente desvia-se do que seria considerado racional 2,19 .

Apesar de médicos compreenderem o conceito de conflito de interesses, existe uma tendência ao desenvolvimento de mecanismos psicológicos de racionalização e reinterpretação dos dados, ou dissonância cognitiva, que limita a eficácia de recomendações ou códigos de conduta externos ou auto-impostos. Provavelmente apenas a proibição de interações entre médicos e propagandistas, assim como a eliminação de brindes e amostras-grátis possa ser eficaz para reduzir a influência da indústria sobre o receituário médico 3,4 .

Propostas para limitar a influência da indústria sobre o médico

Devido à dificuldade de se mensurar a interferência dos brindes e outros favores sobre o comportamento do médico 11, devido à sua finalidade precípua de influenciar o receituário do médico e devido a eficácia duvidosa da declaração de conflito de interesses, foram propostas as seguintes políticas a serem adotadas por sociedades médicas de qualquer natureza e centros médicos acadêmicos, com relação às interações com as indústrias que atuam na área da saúde 2,15,10 :

1 – Brindes, presentes, refeições, passagens, etc – banimento completo.

2 – Amostras de medicamentos – proibição total, passível de ser substituída por vouchers para pacientes de baixa renda.

3 – Elaboração de listas de medicamentos padronizados – nenhum médico que recebe brindes, financiamentos, mantém relacionamento com laboratórios pode participar de comissões que decidem listas de medicamentos padronizados de instituições.

4 – Educação médica continuada – indústrias não podem dar suporte financeiro direto a nenhum programa específico. As contribuições devem ser doadas à instituição que, por sua vez, direciona a programas aprovados por comissões internas.

5 – Fundos para viagens de médicos – As contribuições devem ser doadas à instituição que, por sua vez, decide como utilizá-los.

6 – Contratos de pesquisa ou consultoria – pagamentos para consultoria ou palestras devem ser feitos apenas quando existir um contrato específico entre a indústria e o médico ou pesquisador; contratos sem objetivo claramente identificável devem ser considerados como brindes. Palestrantes pagos ou financiados por laboratórios devem ser considerados como uma extensão do aparelho de marketing das indústrias.

7 – Associações de especialidades não devem fazer acordos ou negociações que envolvam o uso do nome da organização em seu marketing de bens ou serviços 13 .

8 – Nenhuma logomarca de indústrias deve aparecer em pastas, sacolas, canetas ou outros brindes, assim como em publicações distribuídas para membros da sociedade que comparecem a encontros científicos 15.

9 – Prêmios e bolsas de estudos não devem receber o nome do laboratório ou indústria patrocinadora 15.

10 – Adotar transparência das contas relacionadas a patrocínios, inclusive disponibilizá-las no website: compra de espaços em áreas de exposição de congressos, compra de espaço publicitário em revistas editadas pelas associações, doações de qualquer natureza, financiamentos, passagens, diárias de hotéis, jantares, programas de ensino, patrocínio de reuniões para estabelecimento de consensos, etc 13 .

A adoção destas medidas envolve um período de ajustes, mudanças no modo de operação e mesmo redução de recursos disponíveis para atividades de inquestionável valor. Acredita-se, entretanto, que trarão benefícios para os pacientes e para a sociedade com um todo.

Os critérios para estabelecimento de consensos e recomendações de “melhores práticas” necessita ser modificado. Existem evidências de que, em diversos casos, esses consensos não estão direcionados para os melhores interesses dos pacientes e sim para interesses daqueles que lucram com as práticas recomendadas, devido a influência de financiadores ou à proximidade de indústrias 2,17 .

Há que se cuidar para que recomendações ou normas de conduta que tenham por objetivo restringir a influência da indústria no receituário médico e nas atividades das sociedades médicas, não se prestem a ajudar a legitimar e mesmo criar uma proteção jurídica para a indústria, ao invés de cumprir o seu papel precípuo 14.

Opiniões dissidentes

Encontra-se na literatura pontos de vista dissidentes com relação às recomendações de fortes restrições aos contatos com a indústria apresentados acima.

Stell 17 critica as regras moralistas e draconianas propostas, particularmente no que se refere à proibição de acesso a campus universitários e hospitais de ensino, de propagandistas e conferencistas ligados a laboratórios 2. Chama a atenção para o fato de que a medicina é uma arte-que-utiliza-a-ciência e que as demonstrações de novos produtos desenvolvidos pela indústria promove familiaridade, aquisição de habilidades técnicas, bons resultados, benefício para os pacientes, lealdade a marcas. Competição, busca de prestígio, dedicação, brilhantismo, técnicas engenhosas com ganhos evidentes para todos, não necessariamente são dominados pelo dinheiro. Os médicos deveriam manter postura crítica com relação ao material de divulgação que recebem e demandar por material de boa qualidade. Formas de parcerias com a indústria farmacêutica que possam trazer mais benefícios do que malefícios devem ser buscadas 7,16 .

Conclusão

Associações médicas em geral, incluindo aquelas de especialidades, são entidades civis que não se encontram sob o poder fiscalizador direto dos CRMs ou do CFM. Entretanto estas associações devem agir em consonância com os princípios que regem a profissão médica. Neste sentido devem os nossos conselhos, assim como a ANVISA, se debruçar sobre os conflitos de interesses que permeiam as relações entre médicos e sociedades médicas com as indústrias farmacêutica e de equipamentos, impondo limites e orientando. Devem ser banidas práticas que colocam em dúvida a integridade da profissão ou a defesa dos interesses dos pacientes e da sociedade como um todo. Urge que tiremos o atraso de vários anos e que códigos de conduta, normas e regras rígidas de transparência sejam estendidos a instituições de ensino e pesquisa, hospitais, residências médicas e associações médicas de qualquer natureza, assim como aos grupos que promulgam consensos de “melhores práticas baseadas em evidências”.

Referências
1- ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária Resolução – RDC n° 96 de 17 de dezembro de 2008 www.anvisa.gov.br
2- Brennan, T.A.; Rothman, D.J.; Blank, L.; Blumenthal, D.; Chimonas, S.C.; Cohen, J.J.; Goldman, J.; Kassirer, J.P.; Kimball, H.; Naughton, J.; Smelser, N. Health industry practices that create conflicts of interest. A policy proposal for academic medical centers. JAMA 2006; 295: 429-433
3- Brody, H. Pens and other pharmaceutical industry gifts Am. J. Bioethics 2003; 3: 58-60
4- Chimonas, S; Brennan, T.A.; Rothman, D.J. Physicians and drug representatives: exploring the dynamics of the relationship. Soc. Gen. Int. Medicine 2007; 22:184-190
5- Código de Ética Médica – Resolução CFM n° 1931/2009 (Publicada no D.O.U. de 24/12/2009, seção I, p. 90) – disponível em www.portalmedico.org.br
6- Conselho Brasileiro de Oftalmologia – Relatório de gestão 2007-2009 www.cbo.com.br
7- DeMaria, A. N. Your soul for a pen? J. Am. Coll. Card. 2007; 49:1220-1222
8- Dicionário Houaiss da lígua Portuguesa Edit. Objetiva, Rio de Jaeiro, 2001
9- Jampol, L.M.; Packer, S.; Mills, R.P.; Day, S.H.; Lichter, P.R. A perspective on comercial relationships between ophthalmology and industry. Arch. Ophthalmol 2009; 127:1194-1202
10- Kassirer, J.P. Professional societies and industry support. What is the quid pro quo? Perpespectives in Biology and Medicine 2007; 50:7-17
11- Katz, D.; Caplan, A.L.; Merz, J.F. All gifts large and small. Am. J. Bioethics 2003; 3: 39-46
12- Lichter, P.R. Debunking myths in physician-industry conflicts of interest. Am. J. Ophthalmol 2008; 146: 159-171
13- Pellegrino, E.D.; Relman, A.S. Professional medical associations. Ethical and practical guidelines. JAMA 1999; 282: 984-986
14- Podolsky, S.H.; Greene. J.A. A historical perspective of pharmaceutical promotion and physician education. JAMA 2008; 300: 831-833
15- Rothman, D.J.; McDonald, W.J.; Berkowitz, C.D.; Chimonas, S.C.; DeAngelis, C.D.; Hale, R.W.; Nissen, S.E.; Osborn, J.E.; Scully Jr., J.H.; Thomson, G.E.; Wofsy, D. Professional Medical Associations and their relationships with industry. A proposal for controlling conflict of interest. JAMA 2009; 301:1367-1372
16- Sade, R.M. Dangerous liasions? Industry relations with health professionals (introduction) Journal of law, medicine & ethics 2009; 37(3): 398-400
17- Stell, L.K. Drug reps off campus! Promoting professional purity by suppressing commercial speech. Journal of law, medicine & ethics 2009; 37(3): 431-443
18- Sniderman, A.D.; Furberg, C.D. Why guideline-making requires reform. JAMA 2009; 30:429-431
19- Weinfurt, K.P.; Friedman, J.Y.; Dinan, M.A.; Allsbrook, J.S.; Hall, M.A.; Dhillon, J. K.; Sugarman, J. Disclosing conflicts of interest in clinical research: Views of institucional review boards, conflict of interest committees, and investigators. Journal of law, medicine & ethics 2009; 37(3): 581-591
20 – Sociedade Brasileira de Glaucoma. 3º Consenso Brasileiro Glaucoma Primário de Ângulo Aberto (Editor : Augusto Paranhos Jr.) ; São Paulo; BestPoint, 2009

Excessos da medicina e como preveni-los

A medicina assistiu a um grande avanço na prevenção de doenças. Quatro níveis de prevenção são identificados.

A prevenção primária consiste em um conjunto de medidas dirigidas a determinada doença ou grupo de doenças, com o objetivo de interceptar as causas, antes que o ser humano seja atingido pela enfermidade. O exemplo clássico é o uso de vacinas.

A prevenção secundária consiste em um conjunto de medidas cujo objetivo é a identificação precoce da doença ou de fatores que supostamente favorecem o seu aparecimento e a adoção de medidas para minimizar suas consequências. Atualmente, a atividade médica está repleta de exames e atitudes baseadas na prevenção secundária e identificação dos chamados fatores de risco. Podem ser citadas a medida da pressão intraocular e a dosagem de PSA.

A prevenção terciária tem seu foco dirigido ao tratamento da doença, reduzindo suas complicações e reabilitando o paciente. A prevenção terciária se confunde com a atuação tradicional do médico.

A prevenção quaternária teve seu conceito introduzido há pouco mais de dez anos. Consiste em um conjunto de ações ou atitudes cujo objetivo é identificar o paciente sob risco de ser submetido a exames, intervenções ou tratamentos  médicos desnecessários. Em suma, o objetivo da prevenção quaternária é proteger o paciente dos excessos da medicina, das atitudes preventivas inapropriadas, do tratamento excessivo, da iatrogenia.

Inúmeros exames e procedimentos novos foram introduzidos nos últimos anos. Esses exames permitiram diagnósticos mais precisos e, frequentemente, mais precoces. Em alguns casos, entretanto, exames sofisticados fornecem informações cujo valor real para o paciente ainda não está bem esclarecido.

Na verdade, a ênfase na identificação de fatores de risco para algumas doenças e a introdução de tratamentos precoces nem sempre estão acompanhadas de estudos científicos bem controlados que comprovem o seu valor para os pacientes. Exames e tratamentos de custo elevado são incentivados pela indústria farmacêutica ou de equipamentos, que influenciam os médicos através de visitas em seus consultórios, com incentivos como: amostras, brindes, pagamentos de viagens e inscrições em congressos, presença ostensiva em congressos e patrocínio de sociedades médicas.

Na oftalmologia, chama a atenção o excesso de exames complementares realizados em pacientes classificados como “suspeitos” de glaucoma, de doenças da mácula, de doenças da córnea etc. Podem ser citados: tomografia de coerência óptica, ceratoscopia computadorizada, microscopia especular da córnea, paquimetria e outros. Esses exames podem ser muito importantes para esclarecer diagnósticos e para controle de tratamento ou evolução de doenças. O problema é que passaram a ser solicitados  em situações nas quais não são indispensáveis e têm sido repetidos periodicamente sem necessidade.

O excesso de exames complementares desnecessários tem algumas causas bem conhecidas. Podem ser citadas: o tempo reduzido que o médico dedica ao exame do paciente, que é substituído pelo resultado dos exames solicitados; padronização de um conjunto de exames complementares para todos pacientes com tal ou qual problema, os chamados “protocolos”; e, ainda, os conflitos de interesse. Estes estão presentes quando os interesses do médico ligados à realização de tratamentos ou exames complementares não estão alinhados aos melhores interesses dos pacientes, por exemplo, quando os interesses do médico ligados à remuneração influenciam o seu julgamento. Todos esses fatores são potencializados pelas características da atividade médica ligada a planos de saúde: vínculos frágeis na relação médico-paciente, tempo disponível ao paciente reduzido, baixa remuneração oferecida ao médico, pagamentos adicionais individualizados por cada exame complementar.

Tratamentos crônicos, de custo mensal elevado e efeitos colaterais significativos são indicados em pacientes “suspeitos de glaucoma”, ou seja, que não são portadores da doença e talvez nunca viriam a ser. Cirurgias de catarata são realizadas em pacientes que não são portadores de catarata; anéis intracorneanos são indicados e colocados em pacientes com ceratocone, que poderiam simplesmente usar óculos ou lentes de contato.

Naturalmente o custo para a sociedade de tantos exames, intervenções e tratamentos que poderiam ser evitados é enorme. Quais atitudes estão à disposição dos pacientes e dos médicos para reduzir os riscos dos excessos da medicina?

Do médico, espera-se que exerça a medicina priorizando os interesses do paciente; disponibilize ao paciente o intervalo de tempo adequado para escutá-lo, examiná-lo, orientá-lo e dar os esclarecimentos que forem solicitados; suas ações sejam fundamentadas nas melhores evidências científicas disponíveis; mantenha presente a consciência de que os recursos para a saúde são limitados e devem ser utilizados criteriosamente, sejam eles provenientes dos pacientes, planos de saúde ou SUS; tratamentos ou exames complementares de utilidade duvidosa representam uma agressão psicológica e podem causar efeitos colaterais; estabelecer uma boa relação médico-paciente é fundamental para a obtenção de bons resultados e para a segurança do seu trabalho.

Ao paciente cabe adotar as recomendações que recebe do médico, apenas após solicitar todas as informações que julgar necessárias sobre a necessidade e custo dos procedimentos indicados, assim como os principais riscos caso opte por seguir as recomendações. É a chamada decisão compartilhada  entre médico e paciente. O paciente pode, ainda, buscar uma segunda opinião caso não se sinta seguro ou completamente esclarecido em suas dúvidas, particularmente frente à recomendação de uso crônico de medicamentos, indicação de procedimentos cirúrgicos, exames complementares de custo elevado ou alta complexidade. A segunda opinião é um direito do paciente previsto no código de ética médica e pode ajudá-lo em suas decisões relacionadas às recomendações que recebeu do primeiro médico.